GREGÓRIO DE MATOS E GUERRA

Soneto

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana, e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
 
Em cada porta um freqüentado olheiro,
Que a vida do vizinho, e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
Para a levar à Praça, e ao Terreiro.
 
Muitos Mulatos desavergonhados,
Trazidos pelos pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia.
 
Estupendas usuras nos mercados,
Todos, os que não furtam, muito pobres,
E eis aqui a cidade da Bahia.

 

Soneto

Meu Deus, que estais pendente em um madeiro,
Em cuja lei protesto de viver,
Em cuja santa lei hei de morrer
Animoso, constante, firme, e inteiro.
 
Neste lance, por ser o derradeiro,
Pois vejo a minha vida anoitecer,
É, meu Jesus, a hora de se ver
A brandura de um Pai manso Cordeiro.
 
Mui grande é vosso amor, e meu delito,
Porém pode ter fim todo o pecar,
E não o vosso amor, que é infinito.
 
Esta razão me obriga a confiar,
Que por mais que pequei, neste conflito
Espero em vosso amor de me salvar.

 

Ao glorioso português Santo Antônio

Entrou um bêbado um dia
pelo templo sacrossanto
do nosso Português Santo,
e para o Santo investia :
a gente, que ali assistia,
cuidando, tinha o demônio,
lhe acudiu a tempo idôneo,
gritando-lhe todos, tá,
tem mão, olha, que acolá,
Bêbado, está Santo Antônio.

 

Soneto

Um soneto começo em vosso gabo;
Contemos esta regra por primeira,
Já lá vão duas, e esta é a terceira,
Já este quartetinho está no cabo.
 
Na quinta torce agora a porca o rabo:
A sexta vá também desta maneira,
na sétima entro já com grã canseira,
E saio dos quartetos muito brabo.
 
Agora nos tercetos que direi?
Direi, que vós, Senhor, a mim me honrais,
Gabando-se a vós, e eu fico um Rei.
 
Nesta vida um soneto já ditei,
Se desta agora escapo, nunca mais;
Louvado seja Deus, que o acabei.

 

Soneto

Senhor Antão de Souza de Meneses,
Quem sobe a alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.
 
A fortunilha autora de entremezes
Transpõe em burro o Herói, que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo o homem desce,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.
 
Homem (sei eu) que foi Vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a Roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.
 
Pois vá descendo do alto, onde jazia,
Verá, quanto melhor se lhe acomoda
Ser home em baixo, do que burro em cima.

 

Ao governador Antônio Luiz Ferreira de Noronha

Sal, cal, e alho
caiam no teu maldito caralho. Amém.
O fogo de Sodoma e Gomorra
em cinza te reduzam essa porra. Amém.
Tudo em fogo arda,
Tu, e teus filhos, e o Capitão da Guarda.

 

Décima

A nossa Sé da Bahia,
com ser um mapa de festas,
é um presépio de bestas,
se não for estrebaria :
várias bestas cada dia
vemos, que o sino congrega,
Caveira mula galega,
o Deão burrinha parda,
Pereira besta de albarda,
tudo para a Sé se agrega.

 

Soneto

Hoje os Matos incultos da Bahia
Se não suavemente for, ruidosamente
Cantem a boa vinda do Eminente
Príncipe desta Sacra Monarquia.
 
Hoje em Roma de Pedro se lhe fia
Segunda vez a Barca, e o Tridente,
Porque a pesca, que fez já no Oriente,
A destinou para a do meio-dia.
 
Oh! se quisera Deus, que sendo ouvida
A Musa bronca dos incultos Matos
Ficasse a vossa púrpura atraída!
 
Oh! se como Arion, que a doces tratos
Uma pedra atraiu endurecida,
Atraísse eu, Senhor, vossos sapatos!

 

Décimas

Passou o surucucu,
e como andava no cio,
com um e outro assobio,
pediu a Luisa o cu :
Jesu nome de Jesu,
disse a Mulata assustada,
se você é cobra mandada
que me quer ferir da escolta
dê uma volta, e na volta
poderá dar-me a dentada.
 
Apenas isto escutou,
quando a boa cobra solta
deu a volta, mas a volta
não foi, a que a namorou :
porque o bom Adão achou
no Paraíso, ao entrar,
sem poder a Eva falar,
jurando o seu nome em vão,
pecou no segundo então,
por no sexto não pecar.
 
O seu Santo nome disse
em vão: mas o capitão
perguntou a Luisa então
a causa da parvoíce :
ela; porque ele ouvisse,
toda de risinhos morta,
este mandu (disse absorta)
não repara, que se implica
marchar eu com outra pica,
tendo o Capitão à porta?
 
Saiba, Senhor Capitão,
que se Luisa, se fornica,
antes com homem de pica,
que com homem de bastão :
porém se este toleirão,
quiser vomitar peçonha,
livrar-me-ei dessa erronha,
pois na sua cara vejo,
que terá muito de pejo,
mas tem mui pouca vergonha
 
Prometeu vir do passeio
veio como um corrupio,
eu não vi homem tão frio,
que tão depressa se veio:
sobre ser frio é mui feio;
sobre ser feio é mui tolo:
porém se o meu portacolo
não erra, tem o magano
nos culhões muito tutano,
na testa pouco miolo.

 

Soneto

Filhós, fatias, sonhos, mal-assadas,
Galinhas, porco, vaca, e mais carneiro,
Os perus em poder do Pasteleiro,
Esguichar, deitar pulhas, laranjadas.
 
Enfarinhar, por rabos, dar risadas,
Gastar para comer muito dinheiro,
Não ter mãos a medir o Taverneiro,
Com réstias de cebolas das pancadas.
 
Das janelas com tanhos dar nas gentes,
A buzina tanger, quebrar panelas,
Querer em um só dia comer tudo.
 
Não perdoar arroz, nem cuscuz quente,
Despejar pratos, e alimpar tigelas,
Estas as festas são do Santo Entrudo.

 

Soneto

Sete anos a Nobreza da Bahia
Serviu a uma Pastora Indiana, e bela,
Porém serviu a Índia, e não a ela,
Que à Índia só por prêmio pretendia.
 
Mil dias na esperança de um só dia
Passava contentando-se com vê-la :
Mas Fr. Tomás usando de cautela,
Deu-lhe o vilão, quitou-lhe a fidalguia.
 
Vendo o Brasil, que por tão sujos modos
Se lhe usurpara a sua Dona Elvira,
Quase a golpes de um maço, e de uma goiva :
 
Logo se arrependeram de ama todos,
E qualquer mais amara, se não fora
Para tão limpo amor tão suja Noiva

 

Umas saudades

Parti, coração, parti...
Navegai sem vos deter.
Ide-vos, minhas saudades
a meu amor socorrer.

Em o mar do meu tormento,
em que padecer me vejo,
já que amante me desejo,
navegue o meu pensamento.
Meus suspiros, formai vento,
com que me façais ir ter,
onde me apeteço ver.
E diga minha alma assim:
Parti, coração, parti...
Navegai sem vos deter.

Ide, donde meu amor,
apesar desta distância,
não há perdido constância
nem demitido o rigor.
Antes é tão superior
que, a si, se quer exceder.
E se não desfalecer
em tantas adversidades,
ide-vos minhas saudades,
a meu amor socorrer.

 

Rompe o Poeta com a Primeira Impaciência Querendo Declarar-se e Temendo
Perder por Ousado

Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Se Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?

Se como Anjo dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

 

Queixa-se o Poeta em que o Mundo Vai Errado e, Querendo Emendá-lo, o Tem por
Empresa Dificultosa

Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ornadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir, que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo o mar de enganos
Ser louco cos demais, que ser sisudo.

 

Pondera Agora com Mais Atenção a Formosura de D. Ângela

Não vi em minha vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
E ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura.

Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma Mulher, que em Anjo se mentia,
De um Sol, que se trajava em criatura.

Me matem (disse então vendo abrasar-me)
Se esta a cousa não é, que encarecer-me.
Saiba o mundo, e tanto exagerar-me.

Olhos meus (disse então por defender-me)
Se a beleza hei de ver para matar-me,
Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me.

 

Novas do Mundo que Lhe Pediu por Carta um Amigo de Fora por Ocasião da Frota

França está mui doente das ilhargas,
Inglaterra tem dores de cabeça,
Purga-se Holanda, e temo lhe aconteça
Ficar debilitada com descargas.

Alemanha lhe aplica ervas amargas,
Botões de fogo, com que convaleça.
Espanha não lhe dá, que este mal cresça.
Portugal tem saúde e forças largas.

Morre Constantinopla, está ungida.
Veneza engorda, e toma forças dobres,
Roma está bem, e toda a Igreja boa.

Europa anda de humores mal regida.
Na América arribaram muitos pobres.
Estas as novas são, que há de Lisboa.

 

No Fluxo e Refluxo das Marés Encontra o Poeta Incentivo para Recordar Seus
Males

Seis horas enche e outras tantas vaza
A maré pelas margens do Oceano,
E não larga a tarefa um ponto no ano,
Depois que o mar rodeia, o sol abrasa.

Desde a esfera primeira opaca, ou rasa
A Lua com impulso soberano
Engole o mar por um secreto cano,
E quando o mar vomita, o mundo arrasa.

Muda-se o tempo, e suas temperanças.
Até o céu se muda, a terra, os mares,
E tudo está sujeito a mil mudanças.

Só eu, que todo o fim de meus pesares
Eram de algum minguante as esperanças,
Nunca o minguante vi de meus azares.

 

Moraliza o Poeta nos Ocidentes do Sol a Inconstância dos Bens do Mundo

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

 

Lisonjeia Outra Vez Impaciente a Retenção de Sua Mesma Desgraça,
Aconselhando a Esposa Neste Regalado Soneto

Discreta, e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:

Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.

Oh não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

 

Descreve um Horroroso Dia de Trovões

Na confusão do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava.
O fogo com o ar se embaraçava,
Da terra, e ar o ser se confundia.

Bramava o mar, o vento embravecia,
A noite em dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrível, que assombrava,
A terra se abalava, e estremecia.

Desde o alto aos côncavos rochedos,
Desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.

Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relâmpagos, trovões, raios, coriscos.

 

Descreve a Vida Escolástica

Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete.

Presumir de dançar, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia ao Moço do seu trato,
Furtar a carne à ama, que promete.

A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.

Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante.

 

Contemplando nas Cousas do Mundo desde o Seu Retiro, Lhe Atira com o Seu
Ápage, Como Quem a Nado Escapou da Tormenta

Neste mundo é mais rico, o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa:
Com sua língua ao nobre o vil decepa:
O Velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por Tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra, o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa,
E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.

 

Ao Braço do Mesmo Menino Jesus Quando Apareceu

O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.

Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.

 

À Vista de um Penhasco que, vertendo frigidíssimas Águas, lhe chamam no
Caípe a Fonte do Paraíso


Como exalas, Penhasco, o licor puro,
Lacrimante a floresta lisonjeando,
Se choras por ser duro, isso é ser brando,
Se choras por ser brando, isso é ser duro.

Eu, que o rigor lisonjear procuro,
No mal me rio, dura penha, amando;
Tu, penha, sentimentos ostentando,
Que enterneces a selva, te asseguro.

Se a desmentir objetos me desvio,
Prantos, que o peito banham, corroboro
De teu brotado humor, regado frio.

Chora festivo já, ó cristal sonoro,
Que quanto choras, se converte em rio,
E quanto eu rio, se converte em choro.

 

Cosme Moura Rolim, Insigne Mordaz Contra os Filhos de Portugal

Um Rolim de Monai Bonzo Bramá
Primaz de Greparia do Pegu,
Que sem ser do Pequim, por ser do Açu,
Quer ser filho do Sol nascendo cá.

Tenha embora um Avô nascido lá,
Cá tem três para as partes do Cairu,
Chama-se o principal Paraguaçu
Descendente este tal de um Guinamá.

Que é fidalgo nos ossos, cremos nós.
Que nisto consistia o mor brasão
Daqueles, que comiam seus avós.

E como isto lhe vem por geração,
Tem tomado por timbre em seus teirós
Morder, aos que provêm de outra Nação.

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