HEINRICH HEINE

Meu Coração

O mar tem suas pérolas, em calma
Tem o céu mil estrelas, minha flor;
Mas minh'alma, minh'alma,
esta minh'alma
Tem teu amor!

Grande é o mar, grande o céu, por maior
 É o meu coração, lírio singelo;
 Mais que os astros, que as pérolas mais belo
 Brilha este amor!

É teu! é teu! é teu todo o meu peito,
Todo o meu peito que se mescla, flor,
Ao grande mar, ao grande céu, desfeito
Num só amor!

Tradução de Alberto de Oliveira

 

Lied VIII

Amarra o barco na praia
e vem aqui, peixeirinha,
que eu gosto de estar sentado,
sentado bem ao teu lado
com a tua mão sob a minha.

No peito meu a cabeça
bem que podes decifrar
pois eu si que tu confias
quando pescas, todos dias
nas águas falsas do mar.

Meu peito parece muito
com o pélago profundo,
- Tem correntes, tempestades,
tem mares, tem falsidade,
mas tem pérolas no fundo.

Tradução de Ary de Mesquita

 

Canção

Era um dia um velho rei,
- cabeça branca, alma sem chama -
era um dia um velho rei
que casou com uma jovem dama.
E era um pajem timorato
- cabeça loira, alma de chama -
que levava em aparato
a longa cauda da dama.
Conheces a velha canção
cuja ária de angústia chora?
Amaram-se; o veneno, então,
fê-los morrer na mesma hora.

Tradução de Alphonsus de Guimarães

 

Lorelai

Eu não sei qual o sentido
Dessa tristeza em que estou;
Um conto há tempos ouvido
Da mente não me passou:
É fresca a brisa. Anoitece
Vai o Reno manso, a flux,
Ao sol-posto resplandece
O cimo da rocha em luz.
Vê-se bela, reclinada,
Lorelai sobre o arrebol,
Que alisa a trança dourada
Dos seus cabelos de sol.
E, ao mover o pente de ouro
Canta a fada uma canção...
Oh! na voz desse tesouro
Que melodias estão!
Passa o barqueiro nas águas
E, embevecido de a ouvir,
Não sente o risco das fráguas,
Olha pro céu a sorrir.
Devora-o a vaga inimiga,
Naufraga o barco, já vai...
Por causa dessa cantiga,
Por causa de Lorelai.

Tradução de João Ribeiro

 

"Ein Fichtenbaum..."

Um pinheiro solitário,
Do Norte, sobre as alturas,
Dorme entre gelos e neves
Que o envolvem de brancuras.

E sonha com uma palmeira
Que longe, longe, no Oriente,
Sofre sozinha e calada,
Presa ao seu rochedo ardente.

Tradução de Jorge de Sena

 

"Ein Jüngling..."

Um jovem ama uma jovem
Que a um outro jovem cobiça.
Mas este outro a uma outra quer,
E, casando, sai da liça.

Despeitada, a jovem casa
Com outro, seja quem for.
E o primeiro enamorado
Sofre desgostos de amor.

Por ser 'stória muito antiga,
Não é menos nova, não:
E quando a alguém acontece
Quebra sempre o coração.

Tradução de Jorge de Sena

 

"Sie Sassen..."

Tomando chá, sentadíssimos,
Conversam muito de amor.
Os homens delicadíssimos,
As damas só temo ardor.

Cumpre que seja platônico,
Um Conselheiro declara.
Da esposa o sorriso irónico
É como um ai que soltara.

O Cónego fala rude:
E que a excessos não se dê
Prá não estragar a saúde.
Murmura a virgem: - Porquê?

Tradução de Jorge de Sena

 

"Doch Die Kastraten..."

Quando ensaiei minhas árias
Os castrados protestaram.
Que voz, que dicção, ordinárias
- Protestaram e clamaram.

E logo de cada qual
A vozinha delicada
Em trilos como cristal
Pura vibrou e afinada.

De desejos só cantavam,
E do amor e suas partes.
E as damas todas choravam
Comovidas com tais artes.

Tradução de Jorge de Sena

 

"Du Bist Wie Eine Blume"

Tu és tal como uma flor,
Tão graciosa, e bela, e pura.
Contemplo-te, e uma tristeza
Ao coração me tritura.

Quisera pôr minhas mãos
Na tua fronte formosa,
Pedindo a Deus que te guarde
Tão pura, bela, e graciosa.

Tradução de Jorge de Sena

 

"Der Tod..."

A Morte é a gélida noite,
A Vida o dia opressivo.
Escurece, tenho sono,
O dia cansou-me muito.

Onde me deito há uma árvore
Em que canta um rouxinol.
Só canta de puro amor.
Até em sonhos o escuto.

Tradução de Jorge de Sena

 

"Himmel Grau..."

Um pardacento céu hebdomadário!
E a cidade também não mudou nada.
Do mesmo modo idiota e salafrário
No Elba se mira como então, pasmada.

Assoam-se os narizes longamente
Com a mesma repetida convicção.
E há gente de uma empáfia impertinente,
E outros, mais falsos, de olhos pelo chão.

Ó belo Sul! Quanto os teus céus adoro,
Quanto adoro os teus deuses! Sobretudo após
Rever de novo este infrahumano coro,
Esta borra de gente. E o clima atroz.

Tradução de Jorge de Sena

 

De Manhã Cedo

Minha esposa querida e boa.
Minha bem amada esposa,
Que logo pela manhã
Negro café, branco leite,

É ela mesma quem serve!
E com que encanto, que sorriso!
Em todo o mundo de Cristo
Não há quem sorria assim.

E a flauta que é sua voz
Só entre os anjos se encontra.
Cá por baixo, quando muito,
Entre os melhores rouxinóis.

E as mãos que são como lírios
E os cabelos que entressonham
Em volta do róseo rosto!
Ah, tudo nela é perfeito!
Hoje, porém, ocorreu-me
- Não sei porquê - que um pouquinho
Mais elegante o seu corpo
Pudera ser. Um pouquinho.

Tradução de Jorge de Sena

 

Mitologia

Europa foi seduzida:
Mas quem pode contra um touro?
Que Danáe seja absolvida:
A Semele perdoemos,
pois que a uma nuvem cedeu:
Uma nuvem que mal vemos
A ninguém comprometeu.

Com Leda o caso é diverso.
Não pode ser perdoada.
Que tola pata não era
Prá ser de um cisne violada!

Tradução de Jorge de Sena

 

Bom Conselho

Põe sempre os nomes aos bois
Nas histórias que contares.
Ou logo os burros depois
Se queixam de os retratares:
"Mas são as minhas orelhas!
Este azurrar é o meu!
Se estas são minhas guedelhas!
Ai este burro sou eu!
Não me nomeie ele embora,
Toda a Pátria vai agora
Saber-me por burro, hin-hã!
Ai que eu, hin-hã, hin-hã!"
- Quiseste a um burro poupar...
Logo doze hão-de zurrar.

Tradução de Jorge de Sena

 

"Lass Die Heiligen..."

Fora co'as santas Parábolas,
E as Hipóteses piedosas -
Essas perguntas danadas
Só em nós terão resposta.

Porque sangrento e desfeito
Carrega o Justo uma cruz,
Quando o Mau lhe trota ao lado,
Todo equestre em glória e luz?

De quem é a culpa? Será
Deus só quase onipotente?
Ou não tem que ver com isto?
Ah, mas seria indecente!

Assim sempre perguntamos,
Até que alguém com um punhado
De Terra nos tapa a boca -
Valeu-nos ter perguntado?

Tradução de Jorge de Sena

 

Que Mundo Grosso...

Que mundo grosso, gente avara,
- E mais e mais sem mais sabor!
Diz de você... o quê, amor?
Que não tem vergonha na cara.

Mundinho avaro, mundo cego,
Sempre disposto a julgar mal.
Seu beijo doce é meu apego,
Sem falar na ardência final.

Tradução de Décio Pignatari

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