RUI BARBOSA

 Ao Dia 2 de Julho

Salve dia de imensa, imorredoura glória,
que raiando cercado de bênçãos e esplendores,
de um povo escravizado puseste fim às dores;
fama eterna deixando nas páginas da história,.

Que assinalas formoso a esplêndida vitória,
que aos tiranos ganharam da pátria os defensores.
De uma nação inteira — vós — esperança, amores
— Jovens! — trazei-o sempre gravado na memória.

Cantava assim no Empíreo um coro prazenteiro,
e à voz dos serafins fadava o Onipotente,
a espantoso futuro a terra do Cruzeiro.

Em vossas mãos existe destino tão ridente.
Moços! guie-vos sempre, e seja-vos luzeiro —
na senda que trilhais da pátria o amor ardente

 

Mamãe diz-me que do amor

Mamãe diz-me que do amor
É horrível o tormento.
Mas, se amor é sofrimento,
Dê-nos Deus sempre essa dor!

Mamãe diz-me que o amor
Tira o sono e o paladar.
Mas eu durmo a bom sonhar...
Ri-me a mesa sempre em flor...

Mamãe diz-me que o amor
Abre em nós mortal ferida.
É mentira! Nova vida
Traz ao seio, e mais calor...

Mamãe, pois, em quanto a amor,
Nem sequer sabe o que diz...
Só o amor nos faz feliz!
Não se vive sem amor!...

Quer Mamãe que seja o amor
Luta inútil e sem glória.
A meu ver, não há vitória
Que não venha pelo amor...

Mamãe diz-me que o amor
É da paz a sepultura.
Para mim nele fulgura
O nosso astro salvador.

Mamãe diz-me que o amor
É visão que foge e mente...
A meus olhos, docemente,
É um celeste protetor!

Mamãe, pois, em quanto a amor,
Nem sequer sabe o que diz...
Só o amor nos faz feliz!
Não se vive sem amor!...

 

A XXX [Feiticeira moreninha]

Feiticeira Moreninha,
Casta flor da minha vida,
Quando cismas à tardinha
Nos teus sonhos embebida
Não sentes a aragem trêmula
Que em teus cabelos se enlaça,
E o murmúrio que perpassa
Como uma queixa perdida
Do dia que além se esvai?
Dize - sabes o segredo
Que essa linguagem te diz,
Quando a brisa oscula a medo
As tuas tranças gentis?...
Pois ouve... não fujas, não...
Escuta o gemer da brisa;
É minha alma que desliza
Nas asas da viração

 

À Maria Augusta

Dantes o ondeado cabelo
Deixavas-me sempre vê-lo
Em longos anéis sombrios
Nos ombros teus a chover.
Pendia daqueles fios
Minha alma de amores presa;
E a vista, em volúpia acesa,
Não se cansava de ver.

Como é que agora oprimido,
Tão contrafeito e escondido,
A nativa formosura
Não lhe deixas expandir?
Não vês que em teu rosto a alvura,
Que os próprios lírios suplanta,
Ri mais viva, mais encanta,
Se o deixas solto cair.

Por que as lindas madeixas,
Desfeitas baixar não deixas,
De aroma inefável cheias
Ao colo cândido e nu?
Louquinha, que das cadeias,
Com que os olhos cativas,
Assim sem pena te privas!
Criança ingênua que és tu!...

Olha as rosas nas roseiras
Como se miram faceiras
Naquelas tranças viçosas
De que o estio as adornou:
Se, pois, inveja nas rosas,
Feiticeira linda, as passas,
Por que desprezas as graças
Com que Deus te avantajou?

Primores do céu não tolhas:
As madeixas mais não colhas!
Sedução tão graciosa
Não na queiras tu perder!
Em moldura caprichosa
Deixa a coma deslumbrante,
Livre, airosa, flutuante
Tuas faces envolver!

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