Uma árvore de Jambo
Na rua Cel.
Pederneiras (ao lado da ponte) há um jambeiro solitário.
Não dá frutos. A garotada travessa não lhe permite
sequer o florescimento, quanto mais o frutificar. Na
fase das peraltices, ali fazíamos acrobacias. Faz quase
setenta anos...
Também lhe
maltratávamos os galhos e a copada. Mesmo naquele tempo,
era difícil colher algum jambo. Então, éramos "Tarzan -
O rei dos macacos". Somente hoje compreendemos os
perigos dos saltos e balanços arriscados.
O rio passava-lhe
perto. As enchentes, que tantos prejuízos deram a muitas
famílias, nunca puderam arrancá-lo do barranco. A marcha
do progresso não o atingiu diretamente - seja a
construção da ponte ou do muro de "pedra seca"(ao lado).
As agressões da meninada apenas o definham pouco a
pouco.
Daí porque o vemos tão
diferente. Envelhecido, galhos quebrados, sem a antiga
copa frondosa, e esquecido. O próprio lugar onde cresceu
parece "terra de ninguém". Nela sobrevive por algum
acordo tácito com a natureza e os homens.
Resignado, resiste a
tudo. Humilha-se aos meninos que o magoam com as pedras
que lhe atiram. Não reclama as lascas e folhas
arrancadas. Lembra um pai ante as travessuras dos
filhos... Só muito mais tarde sentimos a censura e
advertência da altivez paciente e muda. Quando lhe
passamos perto, avivam-se as lembranças. A ponte veio
muito depois dele.
O ribeirão que sempre
o ameaça de perto. O "Poço da Sociedade"... era um
prolongamento das aventuras que lhe tecíamos à sombra.
Da árvore de jambo, suarentos e alegres, lá íamos nadar.
Em seguida voltávamos aos galhos acolhedores.
Em certa ocasião,
desafiamos o policial que nos dera um pega no poço
(simplesmente por nadarmos "em pelo"...) Na fuga,
abrigamo-nos ali no jambeiro. Não houve rogos ou ameaças
que nos fizessem descer. O soldado resolveu que
desceríamos à força. Subiu, de botina e cinto na mão. O
pega-pega exigiu malabarismos e ninguém o ajudou na
tarefa ingrata. Afinal, vencido e exausto, desistiu. No
entanto, profetizou que ainda seríamos internados no
Instituto dos Menores, em São Paulo. Infelizmente,
acertou. Por alguns meses, fomos "hóspedes" daquela
Casa, até fugirmos. Esta, porém, é outra
história.
O "Poço da Sociedade"
não existe mais. Do soldado-profeta nem lembramos o
nome. O "velho" Pelegrine há muitos anos deixou esta
vida. Recordamos que se atormentava com os casos do
jambeiro, das natações (inclusive no rio do ácido), dos
estilingues, das correrias pelos quintais alheios e
tantas outras. Restam saudades.
Por alguma razão que
nos foge, esse pé de jambo sempre nos leva a pensar
nessa fase da meninice. Antes que algo lhe aconteça,
vimos prestar este preito de gratidão à muda paciência.
Comportamento de íntima relação ao das pessoas a quem
tanto importunávamos e que nos perdoaram. Ao exemplo
desta árvore amiga, aprendemos que aos pais compete a
tolerância.
Aos mais velhos, a
renúncia em prol da juventude. Eis quanto colhemos do
velho jambeiro... únicos e saborosos frutos em lições de
verdades simples e
inquestionáveis.
Nelo Pelegrine Página formatada em 18
ago
2004 |