O PRIMEIRO ENGENHO DE FERRO
DA PROVÍNCIA DO CEARÁ
Autor: Vanius Meton Gadelha Vieira




Foto publicada no jornal O POVO mostra o engenho de ferro, no término das escavações

 

Recentemente, em 4 de abril de 2000, o jornal de Fortaleza "O POVO", publicou uma reportagem sobre as escavações que um grupo de arqueólogos realizava no sítio Alagadiço Novo, berço do romancista José de Alencar, em Messejana - cidade situada a onze quilômetros do centro de Fortaleza, estado do Ceará. Esse grupo estava ressuscitando as ruínas do primeiro engenho de cana a vapor do Estado, construído em 1836, pelo então Presidente da Província, José Martiniano Pereira de Alencar.


Foto do Jornal "O Povo"

 

"A equipe do Laboratório de Arqueologia do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - coordenada pelo professor da Pós-Graduação em História, Marcos Albuquerque - veio a convite do arquiteto e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ricardo Bezerra. Ele está à frente de um projeto mais amplo que inclui não somente a prospecção arqueológica, mas também a revitalização do Sítio."


Foto do Jornal "O Povo"

 

"As escavações registram um pedaço importante da história do Ceará. O engenho é uma referência do progresso industrial do Estado, diz o professor Marcos Albuquerque. A obra é fruto do espírito empreendedor do pai de José de Alencar. Em 1836, José Martiniano Pereira de Alencar, na época presidente da Província, encomendou o engenho, que foi assentado pelo francês Gagné, sob a direção do engenheiro João Estevão Seraine. O engenho foi construído em terreno por trás da casa onde vivia a família. O menino José de Alencar tinha, então, sete anos. Mas no ano seguinte, José Martiniano transferiu-se para o Rio de Janeiro - onde foi senador."


José Martiniano de Alencar - pai de José de Alencar

 

José Martiniano de Alencar - o futuro Senador Alencar - nasceu no povoado de Barbalha, então pertencente à cidade do Crato, no Ceará, a 16 de outubro de 1794. Foram seus pais o português José Gonçalves dos Santos e a heroína D. Bárbara Pereira de Alencar - a primeira prisioneira política do Brasil -, por sua participação na Revolução Pernambucana de 1817.
Personalidade marcante na política do Segundo Reinado, o Senador Alencar envolveu-se com toda sua família na Revolução Pernambucana de 1817 e na Confederação do Equador de 1824. Líder do Partido Liberal, foi um dos deportados para a Europa, em companhia dos Andradas, no governo de D. Pedro I e o primeiro senador escolhido pela Regência Permanente de 1831 - 1835. Em sua residência no Rio de Janeiro, na então Rua do Conde, fundou-se, em 15 de abril de 1840, a Sociedade Promotora da Maioridade do Imperador D. Pedro II ou Clube da Maioridade. "Foi ele quem redigiu os respectivos Estatutos e pôs-se à testa da propaganda da idéia, em pouco vencedora". Presidente por duas vezes da Província do Ceará, residia no Rio de Janeiro, quando faleceu, a 15 de março de 1860.
O Senador Alencar era neto materno do capitão Joaquim Pereira de Alencar e D. Teodora Maria Rodrigues de Alencar, que tiveram entre outros, os filhos: D. Bárbara Pereira de Alencar, o Capitão Leonel Pereira de Alencar e D. Ignácia Pereira de Alencar. Entre seus netos, muitos contraíram matrimônio entre si e, seus descendentes tornaram-se figuras de destaque no cenário nacional. Entre esses: Tristão Gonçalves - presidente da Confederação do Equador no Ceará -, seu filho, o Conselheiro Alencar Araripe e seu neto, o crítico literário Araripe Júnior; o romancista José de Alencar, seu filho, o escritor Mário de Alencar e o seu irmão, o Barão de Alencar; o matemático Otto de Alencar; os descendentes da Viscondessa de Jaguaribe: seu filho, o médico e escritor Domingos Jaguaribe Filho, um dos fundadores da Cidade de Campos do Jordão e seu bisneto, o memorialista Pedro Nava; a escritora Rachel de Queiroz; os médicos Meton da Franca Alencar e Meton da Franca Alencar Filho; o Almirante Alexandrino de Alencar e o Presidente da República Humberto de Alencar Castelo Branco, entre outros.
Ricos e de largo prestígio social, os Alencar possuíam verdadeiros feudos sertanejos nos rincões do Vale do Cariri, voltados à criação do gado e ao plantio da cana-de-açúcar. Vencida nas revoluções do Nordeste do Brasil, no inicio do século XIX, a família Alencar foi perseguida politicamente, por suas intenções republicanas, tendo seus bens confiscados. Afastando-se dessas retaliações, o futuro Senador Alencar trouxe sua parentela para a Vila de Messejana - um dos mais salubres arrabaldes de Fortaleza -, e, em suas terras alagadiças, cultivou a cana-de-açúcar transportada do Cariri. Nas imediações da vila, o Senador Alencar fundou o Sítio Alagadiço Novo. "Batidos pelo infortúnio, os Alencares, conduzidos pelo espírito gregário que os animava, reuniam-se no Alagadiço Novo, em busca da sobrevivência. Eram cerca de 45 almas, entre as quais, alegava José Martiniano, a mãe, cunhados, tios, sobrinhos e mais pessoas, que se lhe têm reunido, pela morte de alguns de seus próximos parentes". Com os resultados animadores dessa empresa açucareira, seus primos instalaram, ali, outros sítios de engenho. A partir de então, "Messejana foi o lugar em que mais se fabricou aguardente e açúcar no Ceará."
No Alagadiço Novo, José Martiniano levantou a casa provincial "mais ou menos abastada para o tempo". "Na casinha rústica do Alagadiço Novo, na ensolarada tarde daquele 1º de maio de 1829, nasce o primogênito. No dia 9 é batizado no sítio e recebe o nome de José (o mesmo do pai), dado pelo padre José da Costa Barros, sendo padrinhos os tios João Franklin de Lima e Maria Brasilina de Alencar. Depois, em família, fica conhecido por Cazuza."

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José de Alencar - romancista e escritor

Em seu retiro, o Senador Alencar construiu, defronte à casinha atijolada, quando na Presidência da Província, a casa grande destinada ao alojamento da tropa de milícias.
"Para criar oportunidades para muitos e marcar o início da arrancada para o progresso agro-pastoril, pela lei 46, de 14 de setembro de l836, providenciou a aquisição de engenhos, arados, modelos de máquinas de serrar, de descaroçar algodão, descascar café, debulhar milho, espremer e peneirar mandioca, de fazer manteiga. Os engenhos, à proporção que chegavam, iam sendo montados nos sítios já fundados e nos que se iam fundando. Neste acelerar, o município chegou a possuir trinta engenhos, sendo dois a vapor".
Quando o Senador Alencar foi residir no Rio de Janeiro, o Sítio Alagadiço Novo, segundo a reportagem do jornal "O POVO", ficou sob a administração de um "Antônio da Fonseca Alencar". Desconheço um Fonseca Alencar, entre os nomes da família Alencar daquela época. Se nos registros colhidos, este nome estiver escrito como Antônio da F. Alencar ou mesmo Antônio da Fca. Alencar, este poderá ser o do Major Antônio da Franca Alencar - primo do Senador Alencar e também de sua esposa Ana Josefina - proprietário do Sítio de engenho Visgueiro, nas proximidades do Alagadiço Novo. O major Antônio da Franca Alencar era pai do médico Meton da Franca Alencar, nascido no referido Sítio Visgueiro em 7 de setembro de 1843 e batizado no Sítio Alagadiço Novo, sendo sua mãe, Praxedes da Franca Alencar, prima legítima do marido e também do Senador Alencar.


Meton da Franca Alencar
Arquivo Vanius Meton Gadelha Vieira
Foto publicada em seu livro "Ideal Clube - História de uma Sociedade: Memórias, Documentos, Evocações"

 

Meton de Alencar, no quinto ano acadêmico, do curso de Medicina, no Rio de Janeiro, incorporou-se às forças brasileiras, na Guerra do Paraguai. Nos hospitais de sangue improvisados no meio da luta, desenvolveu com maestria suas habilidades cirúrgicas. Ao final da campanha, recebeu as honras militares de 1º cirurgião do Exército (decreto de 18 de fevereiro de 1871), além da patente de Capitão e da Medalha Comemorativa da Campanha. Voltando para o Ceará, integrou-se à clínica, distinguindo-se como cirurgião. Foi quem primeiro ensaiou no país e "quiçá na América do Sul", a primeira transfusão de sangue, sendo também um dos pioneiros na neurocirurgia brasileira. No Ceará, foi abolicionista militante e deputado na Câmara Geral pelo Partido Liberal.
O memorialista Pedro Nava descreve, em sua vasta obra, a personalidade do dr. Meton de Alencar e de sua descendência, principalmente seu filho Meton de Alencar Filho, o Moço, médico oftalmologista, pioneiro no transplante de córnea no Ceará, em 1926, e também criador de fórmulas medicinais, como o Asseptol, ainda de largo uso, atualmente, no seu Estado.


Meton da Franca Alencar Filho, o "Moço"
Arquivo Vanius Meton Gadelha Vieira
Foto publicada em seu livro "Ideal Clube - História de uma Sociedade: Memórias, Documentos, Evocações"

 

A mãe de Meton de Alencar (o Sênior), Praxedes de Alencar era irmã de Ana Josefina e da Viscondessa de Jaguaribe, sendo a primeira, mãe, entre outros, do escritor José de Alencar e de Leonel Martiniano de Alencar, Barão de Alencar. Leonel ingressou na carreira diplomática em 1854, ocupando numerosos postos na América e na Europa. Escritor de belo estilo, contava entre suas obras com "Somnambula da Itapuca". A Viscondessa de Jaguaribe, Clodes de Alencar, era esposa do Visconde de Jaguaribe, Domingos José Nogueira Jaguaribe, nascido no Ceará, na cidade de Aracati, a 14 de setembro de 1820, e falecido no Rio de Janeiro, a 5 de junho de 1890. Visconde de Jaguaribe, com grandeza (decreto de 11 de junho de 1888), foi "ministro da Guerra do glorioso Gabinete de 7 de março de 1871, ocupando a Pasta de 15 de maio de 1871 a 20 de abril de 1872." Após sua recuperação, o primeiro engenho de ferro do Ceará passou a ser, ao lado da Casa de José de Alencar, no bucólico Sítio do Alagadiço Novo, em Messejana - histórico reduto da ilustre família Alencar -, um significativo ponto da formação cultural do Ceará.


Casa onde nasceu o escritor José de Alencar, preservada como atração turística de Fortaleza

 

Referências:

Raimundo de Menezes - José de Alencar - Livraria Martins Editora, 1965;
Luis Viana Filho - A vida de José de Alencar - Lello & Irmão Editores. Porto, 1981;
J.C. Alencar Araripe - Alencar, o Padre Rebelde -Secretaria da Cultura e Desporto do Estado do Ceará, 1995;
Raimundo Girão - História Econômica do Ceará - Editora Instituto do Ceará, 1947;
Raimundo Girão - Pequena História do Ceará - Editora Batista Fontenele, 1953;
Esaú Costa Ribeiro - Memorial e História de Messejana - Editora e Tipografia Eunice Ltda.,Fortaleza, 1982;
Jornal "O Povo", de 04/04/2000, "Vida & Arte" - Memória: Arqueologia Alencarina - texto de Patrícia Karam;
Galeria Nacional - Vultos Proeminentes da História Brasileira - Editado pelo Jornal do Brasil, 1931, Fascículo 5, Pág. 448
Argeu Guimarães - Diccionário Bio-Bibliographico Brasileiro de Diplomacia, Política Externa e Direito Internacional - Rio de Janeiro - 1938;
Guilherme Studart - Barão de Studart - Diccionario Bio-Bibliographico Cearense - Fortaleza, CE, 1910, 1913, 1915.

  Fundo musical da página apresenta o consagrado pianista cearense, neto de Meton de Alencar, Aloysio de Alencar Pinto.

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