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PIQUETE -
CIDADE PAISAGEM
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No entardecer do
dia 31 de dezembro de 1977, a composição da Rede Ferroviária Federal que servia
nosso ramal férreo fez sua despedida da cidade.
A imagem, publicada no Jornal
"o Estafeta", registra os funcionários da Rede Ferroviária Federal na última
viagem do "piqueteiro".
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Elias
Xavier, em foto publicada no Jornal "O Estafeta".

Luiz Monteiro
Vilela
Foto publicada no Jornal "O Estafeta"
Há 100 anos, no dia 15 de setembro de 1906, o Marechal Argollo, Ministro da Guerra, inaugurava, aqui em Piquete, o Ramal Férreo Lorena-Bemfica e a Estação Rodrigues Alves. Dois jornais da cidade do Rio de Janeiro - "O Paiz" e o "Correio da Manhã" - fizeram a cobertura do evento. Segundo eles, precisamente às 13 horas e 15 minutos, um trem entrava, pela primeira vez, na estação da acanhada e pacata Vila Vieira do Piquete. Silvos da locomotiva. Profusão de foguetes, foguetes-de-vara acesos com tições. Alvoroço de pessoas. Vivas à República, ao Exército e ao Marechal Argollo. O Hino Nacional e marchas cívicas executados pelas bandas do 12° Batalhão de Infantaria e do Colégio Salesiano São Joaquim. A presença de autoridades - o Intendente Municipal, Senhor José Inocêncio Alvim Bittencourt, o Coronel José Mariano Ribeiro da Silva, o Coronel Luiz Relvas, o Barão da Bocaina... Pessoas de destaque e grande número de senhoras. Todos bem trajados, com elegância; afinal, era dia de festa, de acontecimento inusitado que seria sempre rememorado. Grande entusiasmo da população. As principais ruas da Vila ornamentadas com palmeiras. Palmeiras também ao longo do ramal férreo. Próximo à estação, enfeitado com flores, um arco triunfal, de bambus. Bandeiras, muitas bandeiras. Fotografias, já esmaecidas e tisnadas, nos remetem àquele dia festivo, e, no embalo da imaginação, recriamos cenas e pessoas. 0 Hotel das Palmeiras, residência do Coronel José Mariano, foi também palco de homenagens às autoridades. Meninas de branco - pétalas de rosas sobre os visitantes. Aclamações e vivas. Discursos. Champagne e farta mesa de doces. A seguir, todos novamente na Estação Rodrigues Alves - inauguração oficial do ramal férreo, leitura da respectiva ata e discurso proferido pelo Tenente-coronel Teixeira Maia. E o povo de Piquete passou a se orgulhar da sua estação e do seu trem, carinhosamente denominado "trenzinho dos operários". Durante 7l anos ele percorreu os caminhos de nossa história e deixou um rastro de lembranças. Esteve sempre vinculado à nossa paisagem social, a pessoas, fatos e momentos marcantes: as romarias a Aparecida, a venerando figura do Padre Juca, Nossa Senhora entronizada num andor todo de flores e filó, sinos e foguetes no silêncio das madrugadas; as festas natalinas, o trenzinho chegando de Lorena, um papai-noel na cara da locomotiva, crianças sonhando com brinquedos e guloseimas; operários cansados e sonolentos, as frontes ungidas de sacrifício... Soube, por alguns familiares, que em 1932, conduziu nossa gente para São Paulo, entregue a cidade às mãos das tropas constitucionalistas. Malas e trouxas feitas às pressas. Três dias de viagem crivada de incertezas e cansaço. Vômito e diarréia de crianças, carência de comida e leite. Desconforto. Lágrimas. Saudade da terrinha natal. Certa vez, eu menino, não me recordo do ano, vi o trenzinho apinhado de pessoas importantes. Um corre-corre para a estação. Getúlio Vargas em visita à Fábrica de Pólvora. Ao longo da via férrea, adultos e crianças acenavam. E o Presidente passava distribuindo sorrisos, orgulhoso da dignidade de chefe supremo da nação. Durante muitos anos foi o trenzinho nosso único meio de transporte. Pela manhã, uma viagem até Lorena, várias paradas em duas estaçõezinhas - Coronel Barreiros e Angelina - para embarque de pessoas e do leite das fazendas para a Usina de Laticínios. À tarde, o retorno - as notícias dos jornais, os segredos das correspondências, a curiosidade dos visitantes e a alegria dos que vinham rever amigos e parentes. Nos quintais, meninos brincavam com trenzinhos de caixas-de-fósforo, faziam-se maquinistas e imitavam os apitos da maria-fumaça. O trajeto do trem até o Portão da Limeira, portal da Fábrica de Pólvora, tinha sabor de beleza - pequenas casas coloridas à beira-linha, quintais decorados com bananeiras, o esverdinhado dos morros, os ribeirões sempre limpos, crianças em adeuses e gritos estrangulados pelo barulho da locomotiva, cruzes de madeira rodeadas de imagens, enfeitadas com papel crepom. Infelizmente, um dia, o querido trenzinho deixou de circular. Arrancaram os trilhos e deixaram desabar as estaçõezinhas onde ele costumava parar. Hoje, tudo não passa de fotografias. Felizmente, a Estação Rodrigues Alves que, durante anos ao abandono, foi vítima de intempéries e pichações, ninho de ratos e morcegos, está agora reformada, salva da destruição. E o trenzinho, que se fez saudade, correrá sempre na nossa geografia interior; poeticamente, ressuscitaremos na memória os que ajudaram a construir esta cidade e deixaram marcas indeléveis em cada um de nós. Chico
Máximo |

Luiz Monteiro
Vilela, na locomotiva 537 que conduziu durante anos, da Estação Rodrigues Alves
à FPV.
Foto publicada no Jornal "O Estafeta"
Um impulso em marcha à ré à roda do tempo, e eis-me a divagar ao sabor das recordações... Revejo na imaginação coisas remotas que se perderam na curva longínqua do passado. Passagens que, se recompondo como telas restauradas à força de evocações, reconstituem o ambiente de outrora, já muito distante, ao longo dos anos transcorridos. E juntamente com o tempo, assisto ao ressurgir de pessoas há muito tempo recolhidas à mansão da espiritualidade. Há trinta e quatro anos, em certa manhã friorenta de março, uma neblina densa escurecia as ruas, formando halos leitosos em torno das lâmpadas no alto dos postes de iluminação. Tonto ainda de sono, um garoto era levado pela mão de seu pai a caminho da estação. Era eu um pirralho franzino, pálido e sardento, com um cabelo enfezado; contava então, treze anos. O "Piqueteiro", na época, era uma "caixa de fósforos" - como diziam. Bitola estreita. A locomotiva, um vagão de carga e três carros de passageiros formavam a composição Ramal férreo de Lorena a Bemfica. Passe mensal: 5 mil réis. Bilhetes: 300 e 500 réis, ida e volta. No interior dos carros, lá estavam os operários, cada qual no seu lugar de costume, calados ou em palestra, outros cochilando, outros dormindo, mal recostados nos bancos. De repente, "seu" Juca Andrade - o agente da estação - dá a partida; "seu" João Mascarenhas - o chefe do trem - trila o apito, e "seu" Manduca - o maquinista - dá o apito de partida. E lá se ia o comboio sacolejando as ferragens e o madeirame dos vagões... De Coronel Barreiros, serra acima, a maquinazinha arquejava, bufava, fumegava, e subia caranguejando pelos trilhos, cobrejando pelas sinuosidades do trajeto. Chegava-se à Estação "Rodrigues Alves"; na plataforma, o Agente Encarnação, pequenino e gentil, esperava ansioso o trem. Tendo agora à frente dois bondinhos, o trenzinho continua a subir a rampa arrastado pela máquina resfolegante. Duas ou três curvas vencidas, eis que se depara com a arcada de um portão de ferro ladeado por renques de bambus. Em letras em alto relevo, ao alto do portão, lia-se: "Fábrica de Pólvora sem Fumaça". Estação "Estrella do Norte". O agente Zé Carvalho, de gorro agaloado, impaciente, confere o relógio. Estiro os olhos pela janela e contemplo o jardim: dois soberbos cisnes negros nadam, indiferentes, sob o leque aberto do repuxo. Em torno, pinheirinhos e roseiras. Uma enorme estrela de periquitos desenhada no campo verde do gramado. Novo apito, e o "Piqueteiro" prossegue a marcha, cada vez mais difícil, com a carga de novos passageiros tomados em Piquete e Estrela do Norte. Chegamos, afinal, ao término da jornada: Estação da Limeira. Desembarque. Novo portão largo tomando a via férrea, e outro mais estreito, à passagem do Corpo da Guarda. No prédio contíguo, a Apontadoria, com um quadro repleto de chapas numeradas que eram retiradas, uma a uma, pelos operários ao entrarem, sob os olhos policiais do Apontador Geral, "seu" Lopes, magruço, nariz comprido, vermelho, pescoço estirado, sempre com os olhos e vivos e observadores. Duas ou três centenas de operários subiam pela estrada, hoje asfaltada, rumo ao interior da fábrica. Entre eles eu me via como um Gulliver no País de Brobdingnag. Tudo me parecia extraordinário, gigantesco, surpreendente. Ao mesmo tempo, sentia-me orgulhoso do grande feito em transpondo o reduto sempre vedado aos estranhos, ora pelos riscos propalados, ora pelo rigor da fiscalização. Aninhou-se em minha imaginação um quê de vaidade pela importância que a mim mesmo me dava ao pisar o chão de zonas indevassáveis ao vulgo. Iria conhecer de perto aquele monumento de que tanto falavam, criando lendas e fantasmagorias sobre a periculosidade das explosões e das queimaduras dolorosas produzidas por gases tóxicos e ácidos, das aparelhagens gigantescas de suas oficinas, da maquinaria nunca vista, da primeira e única fábrica de pólvora sem fumaça edificada na América do Sul! As idéias se atropelavam no meu cérebro e o coração palpitava-me de emoção. Não era um mero visitante curioso, sedento de novidades. Vinha em busca de trabalho. Deixara, na véspera, a carteira escolar, para no dia imediato, ingressar na luta pelo pão quotidiano. Vinha juntar-me àquela gente laboriosa que sumia de vista à medida que se espalhava em diferentes direções, pelos cinco grupos de oficinas. Lembro-me bem: meu saudoso pai apresentara-me a um oficial. Os oficiais usavam talabarte, quepe reúna, uniforme cáqui, galões e laço húngaro nas ombreiras. Sigo para a Secretaria afim de apresentar-me ao diretor. O majestoso edifício da Administração era, a esse tempo, uma construção pitoresca, linhas elegantes estilo século XVI, torreão, cobertura de zinco estampado, vigias, cumeeira alta com adornos. Na portaria, o contínuo "seu" Zé Eleotério, um crioulo sestroso, alegre, todo requebros e salamaleques. Subo pela escada caracol, trabalhada em cedro, degraus atapetados. Eis-me no gabinete do Diretor interino, o Major Fructuoso Mendes. Um velhinho, cabelos, bigodes e pêra, todos brancos, estava recurvado sobre a mesa de trabalho. Ao ver-me tímido, passos vacilantes, palidíssimo, a aproximar-me da mesa, ele não resistiu a uma risada sonora, acrescentando esta irreverência de que jamais me esqueci: - Será possível que vocês querem fazer da Fábrica uma creche para desmamar crianças? Naquele instante, não sei onde encontrei tanto sangue que me aflorou à face; ruborizei-me, envergonhado, sem dizer palavra. Gracejando, o bom velhinho me abraçou e ordenou, ali mesmo, que o médico, Dr. Belo, me examinasse para ser admitido. Instantes depois, encontrava-me no meu primeiro posto de trabalho: o antigo escritoriozinho do 5° Grupo. Chefe do grupo - Capitão de Engenharia Nestor Silva e Adjunto: 1º Tenente Hildeberto de Albuquerque. Encarregado do Escritório, Ovídio Alves Beraldo, depois Brigadeiro da Aeronáutica, com sua caligrafia impecável, redigiu a proposta de minha admissão, anexando a declaração de consentimento paterno. Tudo pronto. À tarde, o Boletim publicava o nome de mais um servidor para a Fábrica de Pólvora sem Fumaça. Os primeiros contatos com o pessoal deixaram-me algo de inesquecível nas minhas observações. O Chefe do Grupo, cultor da música clássica, adorava Wagner. O adjunto, oficial corpulento, ombros largos, calvo, olhos azuis, pincenez de lentes grossas, nariz recurvado, queixo saliente como o de Ademir. O mestre Charles, italiano hercúleo, físico de "boxeur" ou campeão de luta romana, com a sua cabeça enorme enterrada sobre os ombros de touro, sempre mascando fumo e agitando os braços roliços e tatuados com figuras escabrosas. O Mestre Jansen, alta estatura, calva, testa ampla, cabelos ruivos, bigodes e cavanhaque; óculos: um perfil de Lenine; pontual como um relógio suíço, embora fosse sueco.
O mestre Vilar português robusto sempre bem-humorado em pândegas com os pedreiros da sua turma; o mestre Targino, um coração de ouro, amigo do operário; "seu" Zé Alves Maquinista, com sua cabeleira branca, o foguista "de Braga" sempre bonachão "seu" Argemiro, Tristão, Zé Bugre, Peixotinho, Manduquinha, João e Juca Luz, Zé Luiz, Mestre Corrêa... Não convém prosseguir... Recordar e coçar é questão de começar... Luys de Castellar O
"Piqueteiro", tradicional trenzinho do Ramal da Central do Brasil,
construído para servir à Fábrica de Piquete, trafegava quatro vezes por
dia de Lorena a Piquete, e vice-versa inspirando muitos cronistas ao longo
dos tempos. Grande escritor, colaborador de vários jornais da região e um
dos fundadores de "O Labor", Luys de Castellar, pseudônimo de Francisco
Ferreira Leite, publicou nesse informativo da FPV, em 01 de abril de 1954,
a crônica "Memórias de um Veterano - Assim é a Vida...", na qual
registra um pouco da história afetiva de um operário da antiga Fábrica de
Pólvora sem Fumaça. No centenário desse ramal, vale a pena reler e
recordar... |

Elias Xavier e seus
colegas de trabalho no Ramal Férreo Lorena-Piquete.
Foto publicada no Jornal
"O Estafeta".
Ao som de apitos, bandas, aplausos e estrugir de centenas de foguetes, chegou a Piquete, no início da tarde do dia 15 de setembro de 1906, uma locomotiva puxando seis carros repletos de moradores de Lorena, além do Ministro da Guerra, Marechal Argollo, o Secretário de Justiça do Estado de São Paulo representando o Dr. Jorge Tibiriçá, todos os membros do Estado Maior do Exército, vários oficiais, deputados, jornalistas e outros convidados. Vieram para a inauguração do ramal férreo Lorena-Bemfica e da Estação Ferroviária Rodrigues Alves. Na estação toda ornamentada, aguardavam o ministro e convidados o coronel Augusto Maria Sisson, chefe da comissão construtora da Fábrica de Pólvoras sem Fumaça; o chefe político de Piquete, Cel. José Mariano Ribeiro da Silva; o prefeito, Capitão José lnocêncio A. Bittencourt, o coronel Luiz Francisco Relvas, o capitão Antônio Pereira da Rosa, o tenente-coronel João T. Maia, chefe da comissão construtora do sanatório militar, inúmeras famílias e grande massa popular. Foi uma festa memorável. A inauguração desse ramal férreo criou condições para o desenvolvimento de Piquete. Construído para servir à Fábrica de Pólvoras, acabou beneficiando toda a comunidade piquetense. O trem e a Estação Rodrigues Alves passaram a servir de referência às pessoas. Ao longo de sete décadas, o ramal férreo teve dias de glória e de funcionalidade necessária e útil. Transportou milhares de operários, obreiros anônimos que vieram, com sua inteligência e força de trabalho, contribuir com a produção de explosivos para o desenvolvimento do país. Pelo ramal chegaram numerosas famílias em busca de trabalho na indústria bélica e aqui se fixaram, fincaram raízes e ajudaram a construir nossa cidade. Com o passar do tempo, devido à melhoria das rodovias e ao aprimoramento automobilístico, o transporte ferroviário foi sendo preterido. O ramal férreo Lorena - Piquete passou a acumular prejuízos. Muitos operários da fábrica passaram a utilizar os ônibus da empresa "Malerba" e, mais tarde, da "Pássaro Marrom", para se locomover até o trabalho. A composição, que, no período da II Guerra, puxava oito classes de funcionários, foi diminuindo, diminuindo... No entardecer do dia 31 de dezembro de 1977, a composição da Rede Ferroviária Federal que servia nosso ramal férreo fez sua despedida da cidade. Levava em seus dois vagões cerca de vinte passageiros, sob a vista de alguns curiosos que foram presenciar o histórico acontecimento. Enquanto Francisco Balbino, o chefe do trem, ironicamente lamentava a ausência da banda de música, o agente da Estação, escondendo a emoção, pesarosamente justificava a extinção do ramal. Nos últimos tempos, uma média de oitenta pessoas, entre operários e passageiros comuns, servia-se do trem em cada uma de suas viagens - de manhã e à tardinha. Quanto ao transporte de cargas, durante o ano de 1977 haviam sido transportados apenas 27 vagões de nitrato, 16 de salitre e 3 de algodão... A edição 110 da "Folha de Piquete" noticiou tudo. Registrou o "Adeus ao Trem". Foi uma pena que naquela época nossas autoridades não tenham conseguido vislumbrar alternativas para o ramal férreo. O turismo vinha sendo estimulado e crescendo em muitas cidades. Hoje, constatamos que pequenas localidades usam os antigos ramais como atrações turísticas. Nosso trenzinho se fez saudade e, atualmente, é memória em crônicas literárias, em fotos da Fundação Christiano Rosa e na lembrança de muitos piquetenses. Jornal "O Estafeta" - Setembro de 2005 |
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