PIQUETE - CIDADE PAISAGEM
História

Matriz de São Miguel do Piquete


Antiga Igreja Matriz de São Miguel, hoje Igreja das Almas, recentemente restaurada
Foto de Ellah

Pequeno Histórico da 1ª Matriz de São Miguel do Piquete

Em 1875, o bairro do Piquete foi elevado à categoria de Freguesia e neste mesmo ano foi inaugurada a Igreja de São Miguel. Construída de taipa (terra socada entremeada de varas de madeira) pelos escravos. Embora ampla, era de construção simples, sem as torres e os anexos. Consta que, antes disso, onde hoje é a Praça Profª Leonor Guimarães, havia uma capela dedicada ao Padroeiro. Em outubro de 1888 foi criada a Paróquia de São Miguel do Piquete, sendo nosso primeiro vigário o Padre Francisco Fillipo. Por ocasião do movimento que visava a passar o bairro do Piquete à categoria de Vila, era necessário que tivéssemos um templo próprio para a Matriz. Os maiores do bairro, encabeçados pelo Comendador Custódio Vieira, tomaram a peito a tarefa que não era fácil: fazer da Capela existente, em tempo exíguo, um templo à altura da pretensão. Felizmente, encontraram conterrâneos e amigos que aderiram à idéia e que deram total cooperação. A mão-de-obra, agora não mais de escravos, foi custeada pela família do Comendador Custódio, que também forneceu os tijolos. O resto do material foi coletado numa maravilhosa campanha popular. O relógio foi oferta do Sr. Ignácio Amorim, piquetense então residente em São Paulo. Não sabemos a procedência dos bancos, que eram de pinho de riga. O harmônio, ainda em funcionamento, importado da França, foi doado pelo Cel. José Mariano. Assim, no dia 15 de junho de 1891 foi instalada a Vila Vieira do Piquete, e no Natal deste mesmo ano, com a construção das torres, foi sagrada e entregue ao povo a nova Matriz de São Miguel Arcanjo. Em 1928, o templo passou por completa reforma, quando foi trocado o madeiramento e o telhado de telhas comuns, e foram demolidas as galerias laterais internas (uma espécie de balcão apoiado em colunas de madeira e que ia do coro até o final da nave principal). Os novos bancos foram doados posteriormente pelo Professor João Cardoso do Nascimento, residente em Aracaju, em memória de sua esposa, D. Tita Cardoso, piquetense filha do Capitão José Monteiro de Brito. Em 1953, o vigário, Pe. João Batista Serafim, às suas expensas fez outra reforma, quando foi retirado o arco de taipa que separava a nave principal da capela-mor. Ultimamente, a taipa das paredes já não aceitava mais o reboco e tornava-se necessária uma providência. Difícil o problema. A paróquia estava arrendada para uma congregação e o vigário propôs até a demolição do templo, alegando, inclusive, que qualquer despesa que se fizesse com a igreja quase em ruínas, seria supérflua, e que ela não merecia esse gasto. Mas o povo, embora respeitosamente, protestou, e foi criada uma comissão chefiada pelo Sr. Ismael Marques de Almeida que, após vários anos de intenso trabalho, conseguiu transformar aquele velho templo nesta bela casa de oração, que receberá o nome de Santuário de São Miguel e Almas. Pena que aqueles nossos amados sinos, hoje emprestados para a Matriz nova, testemunhas de todos os atos principais de nossa vida, não estejam aqui presentes para festejar conosco este significativo evento.

Carlos Vieira Soares
Texto lido na cerimônia de reinauguração do templo, realizada em 01 de janeiro de 1979
Publicado no livro "Rememorando..." do autor


Morro da Igreja Matriz de São Miguel, com início na Rua Major Carlos Ribeiro - 1978
Arquivo de Maria Auxiliadora Mota G. Vieira

Festa Quente

A pequena Freguesia de São Miguel do Piquete preparava-se para a grande festa marcada para 9 de outubro de 1887, em benefício da construção da matriz em glória ao Anjo protetor. Arcos de bambus, bananeiras cortadas e amarradas a mourões, bandeirinhas coladas em barbantes que se trançavam de matizadas cores, enfeitavam desde a Praça Princesa Isabel, subindo pela rua de São Miguel, alcançando depois a rua Sete de Setembro e ladeira acima até a Praça D. Pedro II. Esta era a mais engalanada de todas e onde se encontrava ricamente paramentada a capela de Santa Cruz. A estrada geral, em trechos próximos ao aglomerado residencial achava-se, também, caracterizada para receber os festeiros. O dia pré-marcado aconteceu radiante, glorioso, desde o alvorecer. As barraquinhas eram armadas durante a madrugada e instalavam-se para o que viria. A aurora foi homenageada com espocar de foguetes que singravam os ares e antes do sol surgir foi celebrada a missa das almas. Os primeiros raios do astro rei surpreendem todo o povo dos quarteirões e das cidades vizinhas acorrendo â festa. Pelas estradas e caminhos vão chegando cavaleiros, burros com jacás às costas lotadinhos de crianças, carros cantantes, puxados por bois chateados da vida, carregados de fregueses, sejes, charretes, carroças e, a pé, famílias inteiras. Pelas ruas, crianças alegres corriam desnorteadas; namorados trocavam juras sentados às margens do rio límpido; pretendentes permutavam lânguidos olhares; os fazendeiros, debaixo de seus chapelões, polegar abrigado no bolso do colete, passeavam com suas sinhás; escravos já conhecidos e enturmados na família, praticamente alforriados, também participavam do lufa-lufa. Por entre as pernas das pessoas, cachorros, galinhas, cabritos, patos, demonstravam sua ignorância com referência àquela movimentação toda; a cada instante subiam foguetes com fortes silvos no arranco, deixando um rabo de fogo na saída, estourando lá em cima, enquanto, em baixo, a molecada disparava em direção às varetas que desciam feito flechas. Uma banda de música tocava peças da época; barraqueiros matraqueavam seus produtos e completando a cena, diante do burburinho, a voz gritante dos leiloeiros martelando "quem dá mais", pareciam em "off". Às dez horas da manhã aconteceu na Capela de Santa Cruz a missa oficiada. As casas, todas de janelas e portas abertas, recebiam parentes e conhecidos que procuravam, geralmente, água à mão (!) e toaletes, para suas necessidades. Na pensão do Tenente José Mariano Ribeiro da Silva havia mais gente do que poderia comportar. O grande líder político distribuía-se entre seus cabos eleitorais e eleitores. Todos que ali aportavam, comiam sem nada pagar. Os que podiam eram proibidos de pagar por serem "de casa" e os "duros" para se tornarem "de casa".


Antiga  Igreja Matriz de São Miguel, hoje Igreja das Almas, antes da restauração
Foto de Lety

Lá longe, na curva da estrada que vinha de Lorena, aponta um cavaleiro solitário. Estanca seu cavalo e, de cima, deslumbra toda aquela heterogeneidade de movimentos e sons. Ninguém parece notá-lo. Ledo engano. Quando reenceta a marcha na sua cavalgadura com destino à Freguesia, o dono dos dois olhos que tinham notado, desloca-se por entre os festejantes, distribuindo sorrisos e cumprimentos, vai descendo rua abaixo ao encontro do cavaleiro. Um pouco antes da Praça Princesa Isabel, topam-se. Apeia o estradeiro, mãos apertam-se, trocam palavras por alguns minutos. Novos apertos de mãos e o cavaleiro remonta, dá meia volta e retorna pelo caminho que chegara. Seu interlocutor, por sua vez, regressa ao seio do festivo ambiente.

Nas tavernas, bares, casas de negócios, funcionavam vários tipos de jogos de azar, como dados, carteados, etc. As barrocas de búzios descaradamente faturando. Gritos de números dos jogos de víspora, instalados em duas ou três barraquinhas, ecoavam pelos ouvidos. O povo animava-se mais e mais nas apostas, nas fervidas e outras beberagens. A tarde, os sinos soam numa convocação geral aos fiéis para a organização do cortejo religioso. Inicia-se a procissão em duas filas, diversas ordens religiosas, "anjinhos", andores de vários santos lindamente ornamentados e por último, num requinte colorido de flores, folhagens, tafetás e lamês, o andor levando a valiosa estátua barroca do Anjo Miguel. Cerrando o imenso duplo cordão humano vem a Banda de Música, entoando hinos sacros. Já de retorno à Capela, o padre processa a benção aos fiéis que se abolotam na plataforma do adro e oficialmente encerrava-se a festa. Aos poucos os participantes residentes mais longe começam a retirar-se. Lentamente vai diminuindo o movimento nas ruas, e começa o desarmar de barracas. A tarde vai cedendo lugar a um escurecimento suave e evolutivo... Apenas alguns antros de jogos ainda demoram um pouco mais a colocar ponto final nas festividades. Os cinco lampiões já se encontram acesos e... a festa termina, de fato. Procedia-se agora, na pensão do Tenente Mariano, a reunião dos cabeças da festa, para o balanço financeiro de tudo que fora realizado. Uma boa verba era acrescentada ao montante que se formava destinada à construção da Igreja Matriz. O dia alegre rematara-se em paz...

Dias depois, a festa já esfriada começou a esquentar. E o braseiro aceso foi na Câmara Municipal de Lorena. Como sabem, não éramos emancipados politicamente, assim, na primeira sessão após o acontecimento, o Vereador Frederico Hummel denunciou à edilidade que na festa havida no Piquete houve jogos proibidos pelas Posturas e que os mesmos foram públicos e escandalosos, sem que houvesse qualquer atitude do fiscal. Solicita, diante desta grave falta, que a Casa puna o mesmo. Trocas de ataques e defesas e tal pedido foi negado. Frente à derrota de seu companheiro de partido, veio em auxílio do Vereador Frederico Hummel o Dr. Paula Franco que solicita do legislativo anuência para que o fiscal se pronuncie por escrito, se multou ou não os jogadores de tavernas e botequins e os proprietários destes locais. Mais ainda pediu: se é verdade que os jogadores pagaram 5$000 rs de multa à autoridade policial da Freguesia e se esta aplicou o dinheiro na renda da festa. Uma vez mais a maioria da Câmara votou contra a pretensão. O Vereador Frederico Hummel queimou no eixo! Revoltado, esbravejou e pronunciou um discurso ameaçatório contra todos e prometeu lavrar queixa policial contra a maioria da Câmara por conivência com os infratores. Se pediu, não deu em nada. Ficou o dito pelo não dito. Afinal, maioria é maioria! Bem, tudo que os dois vereadores da minoria denunciaram realmente aconteceu. O festeiro-chefe, assim como a autoridade policial do Piquete, eram a mesma pessoa: o Tenente José Mariano Ribeiro da Silva, velha raposa política, que já fora vereador e Presidente daquela Casa de Leis. Resumo de tudo: engordou a verba para a construção da Matriz . E a gente fica pensando... Dependendo da causa, até um homem da integridade moral de um José Mariano às vezes cede ao sopro de um "anjo torto".

José Palmyro Masiero
"Piquete de meus Amores"


Imagem de São Miguel Arcanjo, na entrada da cidade de Piquete
Foto de Lety

Cidade Guerreira

Quando nossos antepassados, os primitivos moradores à volta de ranchos de tropas que originaram o pequeno bairro do Piquete, escolheram São Miguel Arcanjo para patrono, por certo não sabiam da influência dessa escolha na história da futura Vila que nascia. Como todos sabem, São Miguel é o Príncipe dos Exércitos Celestes, o guerreiro defensor das causas de Deus. Foi ele que, com seu grito "Quem como Deus?", expulsou das hostes celestiais o anjo infiel que se julgava à altura do Pai Supremo. Em 1842, o bairro do Piquete era composto de meia dúzia de casas e fazendas esparsas. Eis que chega um grupo de cavalarianos para guarnecer o caminho que demandava Minas. Os soldados aboletaram-se junto a uma pedra, próxima ao local onde hoje é a Praça da Bandeira e formaram um piquete de cavalaria. E por causa desse piquete foram-se mudando os nomes do lugar. Mais tarde, fomos elevados à condição de Freguesia, tornando-nos conhecidos por Freguesia de São Miguel do Piquete. Depois, Vila Vieira do Piquete e finalmente Piquete. A palavra piquete, segundo o Lello, quer dizer grupo de soldados prontos para marchar à primeira ordem. Só isso, ligado ao nome do Padroeiro, nos dá um caráter belicoso. Mas não ficou apenas assim. Nos primeiros anos do século, os maiores de nossa pátria quiseram montar no Brasil uma fábrica de pólvoras químicas, pois até então a única pólvora fabricada no país era a preta ou de fogueteiro, na base de salitre, enxofre e carvão. E foi justamente Piquete, que tem como orago o Guerreiro por excelência, a cidade escolhida. Acrescente-se a quantidade de ruas e logradouros com nome de militares da Guarda Nacional e do Exército, e vemos que a cidade é uma verdadeira praça de guerra: Rua Major Pedro, Major Carlos Ribeiro, Cel. Luiz Relvas, Cap. José de Brito, Cel. José Mariano, Cel. Aquino, Cel. Almir, Cap. Monte, Cel. Pederneiras, Gen. Osório, Ten. Antônio João, Soldado José Custódio, Expedicionário Genésio Valentim, Alferes Camilo Barbosa, Praça Marechal Mallet, Praça Cel. Wiedmann, Travessas Itororó e Tuiti. Até aqui é o que de real existe sobre a ligação de nossa terra com Marte. Podemos, entretanto, com um pouco de fantasia, emprestar-lhe alguns aspectos interessantes para reforçar nossas afirmações. Podemos, por exemplo, citar Nelo Pelegrine no seu Hino de Piquete e dizer que "os picos alados da Mantiqueira são as sentinelas que guarnecem nossas vilas meninas". Dizer que nossas montanhas são outras tantas barragens a nos defender. Dizer, ainda, que o altaneiro Marins é a casamata e o forte, incrustados na serra, em constante vigilância. E o povo? É um povo pacato na paz e ardoroso quando necessário. Mas é, sobretudo, disciplinado, e como a disciplina é a principal qualidade do bom soldado, por analogia podemos afirmar que, se nos for dada a oportunidade, seremos bons guerreiros. Aliás, pelas provas já inúmeras vezes demonstradas, não desmentimos o significado da palavra piquete: estamos sempre prontos a marchar à primeira voz quando a causa é justa.


Vista da parte antiga da cidade e dos galos de ferro da antiga Matriz de São Miguel .
Foto de Ellah

Mas falando de São Miguel, vem à nossa lembrança um fato acontecido nos passados anos de nossa juventude. Naqueles bons tempos, os festejos do Padroeiro já eram como hoje, com uma novena de pregações e conferências que faziam lembrar as missões catequéticas. Mas nem sempre o vigário conseguia bons pregadores e vez ou outra aparecia algum sacerdote com dificuldade para fazer o panegírico do Padroeiro, ainda mais levando-se em conta que São Miguel não teve vida terrena. Não foi mártir, nem pecador convertido, nem outra coisa que pode levar uma alma à glória do altar. É apenas um dos grandes arcanjos conhecidos e só se revelou quando foi preciso defender os interesses do reino dos céus. Pois bem. Num dos dias da novena, apareceu-nos um sacerdote italiano, já velhinho, que, subindo ao púlpito, começou: 

"Mios caros ermanos. Io non capicho niente de portuguési ma quiero parlar sobre o vuosso padroeiro. Sancte Micaé Arcanjo é um sancte guerero. Ma non né guerero de escopeta, metralhadera nem canhó. É guerero de espada de fuogo in la mano para defender-nos do mato.

A igreja toda, irreverente, rompeu em uníssona gargalhada. Custou muito voltarmos a nos comportar como cristãos educados e respeitosos.

Carlos Vieira Soares
"Rememorando..."

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