|
- Você, que é
um dos piquetenses que conhece bem nosso município em todas as suas linhas
limítrofes, desde o Focinho do Cão até as culminâncias do Marins; desde o
Rio Jaracatiá ao Córrego da Fortaleza e também todas as bibocas dentro
dessas linhas, não sabe de alguma nascente de água que tenha alguma
propriedade terapêutica, ou dietética, que possa dar a nossa terra alguma
contribuição econômica? - Não. E afirmo que isso não existe em
Piquete. - E se não existe, vocês não podem inventar uma? - Ora,
isso não é coisa que se invente... Esse tipo de água não é para esta parte
da Mantiqueira, pobre de sais minerais. Entretanto, se você quer saber de
água que cura doenças de crianças e que evita outros males, posso afirmar
que Piquete a tem, e dentro de seu perímetro urbano. - Então agora você
está inventando... - Não estou e vou prová-lo. Há muitos anos, residia
lá no Bairro da Floresta, um senhor de nome Nuno de Oliveira, que... -
Espera aí, seu. Onde é esse tal Bairro da Floresta que não consta
atualmente no mapa municipal? - O Bairro da Floresta era um agrupamento
de casas localizado entre a represa do Poço Fundo e... - Opa: e onde
era essa represa? - O Poço Fundo era onde está instalada a ponte que
liga a rua Camilo Barbosa à Travessa Horácio Pereira Leite, ali em frente
ao Colégio Estadual. Havia uma barragem que represava a água que era
conduzida por gravidade, em valetas, até a fazenda Santa Isabel, onde
"tocava" moinho, e gerador elétrico. - Como dizia, o Bairro da Floresta
era entre essa represa e a fábrica de queijos... - Fábrica de
queijos? Mas que fábrica é essa, que não sabemos? - A fábrica de
queijos era situada bem em frente à atual Vila Vicentina. Era uma
indústria que fabricava todos os tipos de queijos: parmesão, ricota,
cavalo, tipo mineiro, etc. Pertencia a uns italianos de nomes Azzenaro e
Schiavelli, se não me falha a memória. - Está explicado. Vamos em
frente. - Pois bem. Seu Nuno era homeopata, isto é, curava com
homeopatia e segundo diziam, "acertava com a doença", quero dizer,
acertava sempre com o remédio. Um dia, um de meus irmãozinhos amanheceu
doente. Febre alta, insônia e com lombrigas assustadas. Como não
melhorasse com o chá de hortelã, nossa mãe mandou-me ir à casa de Seu
Nuno, pedir remédio. Mana Ester tinha já lavado um vidro de Bromil,
oitavado e transparente e deu-me, juntamente com os sintomas da doença.
Lembro-me muito bem, eram três horas da tarde, pois o trenzinho que não
atrasava nunca, estava entrando na reta da estação com a mili-vinte
puxando um vagão de carga, três de passageiros e um punhado de fumaça
acinzentada. Cheguei à casa de Seu Nuno, dei-lhe os sintomas da doença e o
tal vidro oitavado. De volta, ele, o Seu Nuno, deu-me o vidro e as
instruções: para a febre, dez gotas de "Alium Sativum"; para a insônia,
dez gotas de "Beladona" e para as lombrigas, cinco gotas de "Ipecacuanha",
todas misturadas entre si e diluídas em água do pote. Dar uma colherinha
das de café, de hora em hora. Agradeci, enfiei a cabeça no chapeuzinho
desabado e rumei para casa. Ao passar em frente ao campo da A. A.
Piquetense... - Epa, meu velho. O campo da Piquetense fica pra lá da
linha... - Fica, agora. Naqueles tempos era onde é o Posto Restaurante
do Nelson. - Ah, era? E daí? - Daí, ao passar em frente do campo,
num areal que era a Rua Major Pedro, que naqueles tempos era avenida, pois
tinha duas carreiras de árvores, lado a lado, estavam batendo bola de meia
o Manoel Pinto, o Osmar Correa e o Zé Estevam. Não aguentei o tipo.
Coloquei o vidro de Bromil, quero dizer, de homeopatia no monte de areia
que fazia às vezes de um dos postes do gol e entrei no time. Era para
chutar em gol e o Zé Estevam o goleiro. Ajeitei a pelota num outro
montinho de areia e preparei-me para dar uma folha seca: pega "gorquipa",
e o tiro partiu. Partiu e foi dar direto no poste do gol, isto é, no vidro
de remédio, oitavado e transparente. A rolha, que era uma palha de milho
dobrada e enrolada, saltou e o vidro derrubado entornou na areia o líquido
precioso. O mal era irreparável. Voltar e pedir a Seu Nuno outra dose era
impraticável. Chegar em casa e contar o sucedido era mais que
impraticável, pois teria que enfrentar uns chinelos de sola dupla feitos
de encomenda no Seu Salviano, sapateiro de renome e compadre lá de casa.
Foi aí, então, que a idéia surgiu e surgiu também em nossa terra a água
milagrosa. Atravessando o campo de futebol e canalizada em manilhas de
três polegadas, vinha uma água que nascia no pasto de Seu Horácio Pereira
Leite e terminava numa biquinha de embaúva, na beira da rua. Era a mesma
que hoje abastece o Posto e o Restaurante do Nelson. Pois bem. Calculei a
quantidade no tal vidro e coloquei a água tal qual fizera Seu Nuno. Por
ser a homeopatia inodora e incolor, ninguém daria pela coisa. E o maninho
sarou, benza-o Deus... Piquete pode não ter uma fonte de água mineral,
seja gasosa, sulfurosa ou outras "osas" quaisquer, mas tem uma outra que
não só curou a insônia, a febre, e as bichas de uma criança, como livrou
seu mano de uma sova.
Carlos
Vieira Soares Folclore de Piquete (Pequena Contribuição)
|