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Em todo lugar
existem os tipos populares. Alguns meio tantãs, outros, apenas bobos e
outros, alegres e divertidos. Nossa Piquete não fugiu à regra. O primeiro
que conhecemos foi o Pedro Louco. Talvez ele tivesse sido músico em alguma
banda musical alhures, pois andava pelas ruas tocando um imaginário
piston. Parava em posição de sentido, olhava firme para a frente e
cantava: "dó, ré, mi, fá, sol, lá, si, dó, si, lá, sol, fá, mi, ré,
dó" tudo bem afinado. E continuava: "Com que? Com nada ... Com
biscoito e com torrada". Repetia a escala musical, batia os pés,
firmes e continuava sua marcha. Inofensivo, educado e respeitador, nunca
se indispunha com alguém. Pela mesma ocasião apareceu-nos o "Pão
da Aurora". Era padeiro de Seu Hermínio Januzeli. Nas horas de folga saía
pelas ruas, calças brancas pouco abaixo dos joelhos. Parava, mostrava algo
para cima e dizia: "Olha o fio". Quando saía com a cesta de pães,
gritava com voz estridente: "Olha o pão bom da Aurora". Só que ele
colocava o ditongo do pão no "bom" e o "om" do bom no pão e por isso não
havia Aurora alguma daquela época que não o maldissesse. Tinha uma
ojeriza: não gostava que os fregueses apertassem o pão para comprá-lo e
assim ele comprou um garfo grande, desses de se lidar com assados e
completava: "Olha o pão bom da Aurora... Não pegue com a mão, espete
com o garfão". Era também inofensivo e educado. Depois veio o
"Mascote". Seu nome era Antônio Correa e o apelido adviera-lhe porque
sempre acompanhava nossa Corporação Musical em suas tocatas, tornando-se,
portanto, o "Mascote da Banda". Morava por caridade em casa do Seu
Chiquinho Máximo e dormia às vezes em qualquer parte. Alegre e brincalhão,
era dado a cantar e inventar versos. Quando aborrecido pela molecada que
lhe gritava: "ei Mascote!" ele tinha uma resposta que rimava com o
apelido e que não podemos transcrever aqui. João Lucindo ou João
Potranca era dos mais pândegos. Quando bebido pela aguardente, ficava um
tanto malcriado e se era chamado pelo apelido, não escolhia lugar para
descabelar a progenitora e os antecedentes femininos até a quarta geração
de quem o provocava. Tinha, como ninguém, um vocabulário completo de nomes
feios e sabia usá-lo perfeitamente. Gostava de passar a noite com defuntos
por causa da pinga e dos "comes". Luiz Vespasiano de Souza, o "Caroé",
um pernambucano que morava lá pelos lados da Vargem Grande, recebera o
apelido pela mania de achar tudo caro, inclusive qualquer dificuldade, e
de se expressar com seu sotaque inconfundível: "Caro é, maninho, andar
na garupa de cavalo trotão". Brigador e valente, surrou muita gente,
até que um dia lhe tiraram o topete, sumindo da praça. Saint'Clair da
Silva, o Sancré do Itabaquara, todo domingo aparecia em sua égua tordilha,
assustando e atropelando a moçada que fazia o vaivém em frente ao Cine
Glória. Tia Gregória, Miguelejo, Simeão, Feliciano, e mais um tal de Jota,
completavam o grupo de tipos populares daqueles tempos.
Carlos
Vieira Soares Folclore de Piquete (Pequena
Contribuição)
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