|
Seria um
contra-senso que um trabalho feito para reverenciar a Corporação Musical
Piquetense nada contivesse sobre a mesma, ainda mais considerando que ele
se reveste de assuntos que enfocam detalhes do nosso dia-a-dia já vivido.
Um entrave, entretanto, vem colocar cisco em nossos olhos. O que é que
sabemos sobre a Banda? De nossa parte, apenas as muitas alegrias que nos
proporcionaram durante tanto tempo; que minha mãe a adorava e era a
própria alma de meu pai; de sua presença constante abrilhantando os
acontecimentos cívicos e religiosos desta terra; nos acompanhamentos
àqueles que vão para a viagem eterna sob os acordes de marchas fúnebres e,
fora daqui, sempre elevando o nome de Piquete em suas apresentações. E é
só... Que dizer dela, então? Uma lembrança bate em nossa mente, todavia. É
de uma pessoa em nossa cidade que possui meios e sobeja competência para
contar toda a história desta associação de músicos. Provavelmente, deve
ser possuidora de elementos desde o engatinhar da Euterpe... Depois de
certo tempo, essa mesma pessoa passou praticamente a vivê-la, respirando
ou, mais propriamente, assoprando o seu cotidiano... Sabe tudo sobre a
desativação e surgimento da Banda da Fábrica e, quando da dissolução
desta, o insano trabalho de reorganizar a atual... Pode falar de cátedra
das diferentes fases, da consagração dos grandes momentos às mágoas
doloridas dos dias incolores... Dos músicos todos que se revezaram através
de gerações, nas colunas de sua sustentação. Ela pode minudenciar toda a
vida da Corporação. Vamos, daqui dar um xeque-mate nessa pessoa perante
todos, para que essa magnífica história venha a lume e passe à
posteridade. O nome dela é Carlos Vieira Soares. Ninguém, mas ninguém
mesmo, melhor do que ele, sabe onde e com quem encontrar tudo que for
necessário para isso. O amigo que nos desculpe essa fria em que o
colocamos, mas a história da Corporação Musical Piquetense tem que ser
escrita. E ele é, indubitavelmente, o mais abalizado pesquisador e
conhecedor de nossas coisas e, portanto, o mais recomendado a fazê-la.
Mãos à obra, Carlos, que ansiosamente estaremos aguardando. Tenho dito.
(...) "A CIDADE", ainda um pequeno tablóide de 16 x 23 cm, em seu
número 26, que circulou no dia 25 de outubro de 1959, publicou, em sua
seção "Retalhos do Passado", a seguinte crônica:
"ESTRÉIA DA
EUTERPE Fato sensacional, que trouxe às ruas toda a população
piquetense, foi a primeira apresentação pública da Euterpe piquetense.
Isso aconteceu, mais ou menos, pelo final da segunda década do século. Os
ensaios começaram na antiga 'Sociedade', onde os artistas piquetenses
davam seus primeiros passos no sublime reino da música, sob a batuta do
maestro João Evangelista. Mudaram-se, depois, os ensaios, para a extinta
casa do Sr. Domingos Montano, ao lado da cadeia. 0 interessante é que
quase toda a população se reunia para assisti-los. Após a reza na matriz,
o ponto de atração para o povo era o 'ensaio da banda'. Foi marcada
finalmente a data para a apresentação da Euterpe. A ansiedade da
população, o nervosismo dos músicos, dava, em todos os pontos, aquela
sensação de um grande acontecimento. E de fato o era! Os músicos,
alinhados e garbosos, marchavam pelas ruas da cidade. O povo todo
acompanhando atrás. Nas costas dos músicos via-se uma partitura grampeada.
Só não se ouvia era música. Bem... Então numa esquina, eles paravam, e
atacavam um dobrado (por sinal só sabiam dois). A banda somente tocava
parada. Mas a população vibrava intensamente."
 Banda da
Fábrica Presidente Vargas, 1938 Foto escaneada do livro "Piquete de
Meus Amores" - José Palmyro Masiero
(...) A televisão estava ainda engatinhando no Brasil
e a Rádio Nacional do Rio de Janeiro era o maior veículo de comunicação e
penetração em todo o território brasileiro. Possuidora do elenco dos
maiores astros e estrelas do nosso cancioneiro popular, dos melhores
produtores e diretores, apresentadores, famosas orquestras, etc., seus
programas prendiam os ouvintes em casa, como acontece hoje com a
televisão, apenas com a diferença que agora se vêem e se ouvem
mediocridades. Nossos programas televisivos nunca chegaram a igualar-se
aos radiofônicos. Paulo Roberto, extraordinário produtor e apresentador da
emissora, tinha um programa aos sábados, verdadeira coqueluche: A Lira de
Xopotó, que constava da apresentação das melhores bandas do Brasil ao
vivo, intercalada com fatos da própria corporação e da cidade oriunda. E
nossos músicos estiveram lá! Bem... Com vocês, a reportagem publicada no
"O REGENTE", número 11, de 15 de setembro de 1958:
 Corporação
Musical Piquetense Foto escaneada do jornal "O Estafeta"
"A CORPORAÇÃO MUSICAL NA 'LIRA DE
XOPOTÓ' Sem querermos entrar em detalhes, que tornariam estas simples
notas num divertido compêndio, deixaremos de citar aqui o que foi a viagem
de ida e volta ao Rio, dos integrantes da Comitiva que para lá se
locomoveu dia 30 de agosto p. passado. Diremos apenas que foi toda ela
repleta de 'trotes' de piadas, de zombarias inocentes de todos os que nela
tomaram parte, o que soe acontecer nos ambientes onde reina, como na
Corporação Musical Piquetense a ordem e a disciplina, impostas pelo nosso
caro amigo Maestro Carlos Vieira, dentro, porém, da mais estreita
camaradagem. Seria, também, desnecessário, tecermos considerações sobre o
que foi a audição apresentada pela nossa Banda, na 'Lira de Xopotó', pois
toda a Piquete estava a escuta do lado de seu aparelho de rádio aguardando
o início do famoso programa de Paulo Roberto. Não seria exagero nosso se
disséssemos, que Piquete parou, que o silêncio pairou sobre a cidade,
ouvindo-se apenas os últimos acordes do prefixo do Repórter Esso que
anunciava para dali a minutos o início da 'Lira do Xopotó' que naquele
momento para todos nós, mudara de nome, chamava-se 'Lira do Carlos
Vieira', 'Lira da Nossa Banda'. E quando 'explodiu' a característica voz
do Maestro Filó, comandando simbolicamente o começo da audição com o seu
conhecido 'É uma... é duas... é já..." , suspensos ficaram os corações
daqueles que estavam a escuta, mas, breve voltaram a pulsar normalmente
quando afinadamente surgiram as primeiras notas do tão nosso conhecido
'Capacete de Aço'. Ao final quando se calaram os instrumentos e
estrondearam vigorosos e demoradamente os aplausos, nós sentimos as
lágrimas se assomarem aos nossos olhos, numa emoção incontida, por
sentirmos que a 'Nossa Lira' não fracassara, que a 'Nossa Lira' soubera
elevar bem alto o nome de Piquete, num campo onde ele ainda se fazia
ignoto e que, daquele momento, saia de sua obscuridade musical para dizer
a São Paulo, ao Brasil e ao mundo: - Eu também sei tocar. Eu também
cultivo a sublime arte da música que tantas glórias já trouxe ao Brasil
através de seus filhos Carlos Gomes, o imortal e Villa-Lobos que já
caminha para a imortalidade. Eu também tenho os meus músicos, os meus
maestros. Vocês não ouviram? Foi o Carlos Vieira quem empunhou a batuta e
quem formou a nossa banda, foi ele quem reuniu três gerações para
formá-la. Vocês duvidam ? Vejam só. Ai estão o 'seu' Benedito
Dentista, o 'seu' Viana, o 'seu' Benedito' Chaves; aí estão o Moreno, o
Bambu, o Silvia Mota; aí estão o Vovô, o Luizinho Viana (filho de
peixe...) E então, não são três gerações reunidas num só esforço? Piquete
vibrava e parecia entender a sua linguagem muda, enquanto Paulo Roberto
anunciava o segundo número: a fantasia 'Cruz de Ouro' de autor
desconhecido. Ao término dessa partitura também delirantemente aplaudida
pelo auditório superlotado, Paulo Roberto solicitava uma salva de palmas
ao solista da velha geração o 'seu' Viana que na sua modéstia tão
conhecida, interpretara de modo seguro e sereno a parte mais destacada da
música. Finalmente, com o 'Nove de Julho' de autoria do saudoso e sempre
lembrado Henrique Mazziero que sabemos arrancou lágrimas de saudades a
seus familiares e a seus amigos os quais, naquele momento, não se
recordavam do Henrique que já se foi, mas daquele que parecia estar
presente, fazendo as suas serenatas com o seu saxofone, frente da casa de
todas as famílias que ele sabia gostarem de música. Findara o programa, no
qual fora consagrado o nome de Piquete. No qual lágrimas de emoção foram
vertidas pelo Paulito, pelo Humberto Montano (que saudou a Corporação
Musical em nome da colônia piquetense residente na capital da República),
pelo Lulu Meireles e quiçá pelo Brigadeiro Ovídio Alves Beraldo que, como
bom piquetense, ali também se encontrava. No 'hall' do edifício de 'A
Noite', após o programa houve uma audição especial da Corporação, até às
23h, contando com a presença de todos os piquetenses que moram no Rio ou
que lá se encontravam, do produtor e animador Paulo Roberto a quem deixo
aqui, em nome do povo de nossa terra os melhores agradecimentos pela
hospedagem fidalga que soube proporcionar aos nossos músicos, do Maestro
Filó, o Jararaca da dupla Jararaca e Ratinho, de vários artistas e
funcionários da Rádio Nacional e do público em geral. Para finalizar nada
mais expressivo do que transcrevermos as palavras pronunciadas por Paulo
Roberto diante do microfone da Nacional: - 'Sem favor algum quero dizer a
todos os piquetenses aqui presentes e a todos os que me estão ouvindo, que
a Corporação Musical Piquetense é uma das melhores bandas que nos visitou
até hoje' e em outro comentário: 'ela é excepcionalmente
boa'."
Aqui poderíamos dar por encerrada nossas honrarias. Mas
neste mesmo número de "O REGENTE", vem uma carta dos piquetenses que longe
daqui residiam naquela época e que fazemos questão de reproduzir. Assim
agimos para os que em Piquete se encontram, valorizem, cultivem e
colaborem com essa plêiade de cultores da arte musical, para que quando
não a puderem ouvir por estarem longe desta terra abençoada, sintam o
quanto de melancólico e nostálgico vem a lembrança de um instante de
felicidade lá atrás esquecida. Isto porque, em toda apresentação da Banda
em que se esteve presente, sempre aconteceu um momento que marcou a
existência de cada um.
 Corporação Musical Piquetense Arquivo Maria Auxiliadora
Mota Gadelha Vieira
MENSAGEM
ENTREGUE À CORPORAÇÃO, PELA COLÔNIA PIQUETENSE DO RIO 30 de agosto de
1958. A Colônia Piquetense do Rio de Janeiro rejubila-se com o evento
auspicioso e de grande significação que para a família piquetense
constituiu, a mostra de arte da CORPORAÇÃO MUSICAL PIQUETENSE, levada a
efeito nos estúdios da Rádio Difusora Nacional. E esse júbilo justifica-se
porque Piquete, modesta cidade paulista que escassamente ultrapassa de
três dezenas de milhares de habitantes e já é notável, não só como um dos
mais eficientes centros industriais em atividades relativas à defesa
nacional, mas também se alinha entre os núcleos de cultura humanidades e
de técnica profissional, já agora, vem de demonstrar que, além das lides
fecundas da produção, possui vocação para a arte dos sons. E desse penhor
para a música, manifestado pelos filhos de Piquete, tivemos hoje
encantadora prova nessa mensagem de melodias que pelos ares eles acabam de
enviar para o resto do Brasil e para o mundo, através das ondas
hertzianas, como que a proclamar que nem só o trabalho material lhes
basta, mas também, sentem emotivo tropismo para os enlevos dessa arte toda
de beleza e emoção, na qual a Humanidade, no sentido horizontal se
fraterniza no mundo da inteligência e do espírito, e no sentido vertical
se eleva para o céu e logra a alcançar o próprio Deus. E porque a arte,
como Deus, tem um sentido infinito e eterno, a Corporação Musical
Piquetense, com as harmonias que cria e executa, patenteia o incomparável
privilégio que goza de só crescer e crescer sempre, pois mesmo aqueles que
já se foram para a viagem suprema, vivem e viverão eternamente entre eles,
tais como Francisco Alves, José de Oliveira Palma, Geraldo Paulino
Crispim, José Maria, Cícero Trindade, Nuno de Oliveira, Antonio e Pedro
Coelho, Luiz Marques, Adolfo Mazziero e outros. E, entre estes,
particularmente aqueles que, como Henrique Mazziero na verdade se fizeram
imperecíveis em nossa lembrança, pelo precioso legado de suas belas
composições, fragmentos melodiosos, de sua inteligência e de suas almas
generosas e cheias de fecundo idealismo. Essa a razão desta declaração,
aqui consignada e homologada com a assinatura de todos os piquetenses
presentes. Ela vale, sobretudo, como expressão do nosso justo orgulho pelo
progresso e pelos louros conquistados por essa equipe de bravos e
autênticos idealistas que compõem a Corporação Musical Piquetense e a
mantém em suas gloriosas atividades. Vale ainda como genuína expressão do
nosso afeto à nossa inesquecível e tranqüila PIQUETE - formosa e modesta
flor serrana da vertente paulista da Mantiqueira tão cheia de
simplicidade, suavidade e romance. Conterrâneos da Corporação Musical
Piquetense: com a vossa música, com o vosso mundo de sons cantais Piquete,
cantais o vosso ardente amor à Pátria, ascendeis até Deus e, como agora,
através do éter, envolveis a própria terra de sons e melodias. Mas,
sabeis, hoje fizestes mais, criastes com essas mesmas melodias um universo
de intensa saudade e de vivíssima emoção. E nesse mundo de enlevo, de
encantamento e de harmonias, vos sobrepusestes às noções espaciais e de
tempo e maravilhosamente regredistes - e nós convosco - ao convívio
daqueles que só viviam em nossa lembrança. Fizestes mais ainda: com o
auxílio da magia augusta da música, trouxestes Piquete até nós nas ondas
sonoras dos vossos instrumentos. E sabeis por quê? - Porque essas notas
não saíram sós dos vossos instrumentos. Com elas irradiastes a poeira
imponderável, luminosa e impregnada de sentimento de vossas almas e de
vossos corações. Eis porque a melodia, como irradiação espiritual que é,
possui o prodigioso poder de penetrar até o mais profundo do ser daqueles
que a ouvem. Vossas glórias são nossas também, mas vos somos gratos por
tudo isso. Parabéns pelo vosso empreendimento vitorioso de hoje e que
novos louros continueis colhendo para o futuro. Sede fiéis ao vosso ideal
e caminhai sempre na esteira ascendente desse ideal, que a Vitória se
enamorará definitivamente de vós. ( As) Mariano Montano, Oficial de
Vigilância da Prefeitura do Distrito Federal; Humberto Montano, Professor;
Ovídio Alves Beraldo, Brigadeiro da FAB; Wair Augusto Ribeiro Beraldo,
Engenheiro da E.F.C.B.; Alice Fernandes Montano, Setimio Montano, Abdon
Leite Sobrinho, José Izaltino da Luz, Yolanda Corrêa, Osmar Corrêa,
Paulo Avelar Leite (Paulito), José dos Santos Barbosa, Vereador; Pedro
Mota da Silvia, Áureo Valença Leite." Resumindo tudo, cremos ter
descoberto nestas palavras de Rabindranath Tagore, toda a filosofia de
nossa Corporação Musical: "NO QUE SOMOS VERDADE, SOMOS IMORTAIS."
José Palmyro Masiero "Piquete de Meus Amores"
|