PIQUETE - CIDADE PAISAGEM
TRADIÇÕES E FOLCLORE

Jongo em Piquete

 

"O jongo nasceu de Nossa Senhora.
Quando ela soube que Jesus Cristo tinha ressuscitado 
saiu com um apitinho na boca dançando o jongo".


Gerações de jongueiros em Piquete, SP

JONGO

O jongo é uma das danças prediletas dos negros. É dançada a céu aberto, em terreiro, à noite, e, às vezes prolonga-se até o raiar do sol. Instrumentos musicais: tambor, chocalho, puíta, cuíca. Coreografia: o jongo compõe-se de duas partes: uma, constante de pontos de demanda ou de desafio, na qual os participantes procuram decifrar os
"pontos" do cantador; e a outra, de ponto de visaria, de música para dançar. O jongo é dançado à luz da fogueira. Um tambor marca o ritmo e o compasso. Há um cantador.
Os figurantes formam um grande círculo, sem limitação de número, sendo, geralmente, numeroso. Os pares solistas dançam no meio do círculo, desenvolvendo verdadeiros duelos de danças. O jongo tem passos complicados e contorções que exigem ginástica e prova de agilidade. Os passos são deslizantes, para frente, com o pé alternadamente, ao fim de cada deslizamento, faz um curto pulo ao avançar o pé de trás. Giram o corpo. Estando de frente, o par vira-se e defrontam-se ambos, mudando os passos, ora para frente, ora para trás, duas vezes. Depois giram os homens; ao girarem ficam novamente de costas para as mulheres. Elas, também, às vezes dão meia-volta e defrontam-se com os homens que estão atrás. Dão com eles um passo curto, para frente, ao lado direito e balanceiam para trás, depois de um balanceio para a esquerda e voltam-lhe as
costas novamente. O par, de frente, conta 1, 2, 3 e balanceia o corpo para o lado oposto um do outro. Depois roçam os corpos, dando um toque altamente sensual à dança.
http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/5ritmos/jongo.html


Jongueiros em Piquete, SP

 

O tambor do jongo é diferente do nosso conhecido. É feito com um décimo de barril de pinga, medindo mais ou menos 1 metro de altura, por 1 palmo e meio de largura. Conserva o fundo de madeira; a extremidade superior é coberta com pele de gado. Às vezes a pele de gado é substituída por pele de porco do mato, ou de tamanduá. O executante bate com as duas mãos sobre o tambor, cujo fundo repousa no chão. A puita é deitada no chão, com a frente (a pele) para a dança. O executante (maquinista, era chamado) fica de joelhos no chão, com a abertura dela junto às pernas. Junto dele uma vasilha com água. Aí começa a execução. Com a mão molhada, aperta a cana, e escorrega a mão fechada sobre ela de junto da pele para a abertura do tambor. Enquanto uma das mãos faz o percurso, a outra está se molhando, e em seguida repete o que a outra fizera. O contato da mão molhada, que escorrega sobre o bambu, que por sua vez está fixado junto à pele, produz uma vibração rouca, uma espécie de ronco ritmado pela habilidade do executante. Os tambores utilizados normalmente são dois, um grande (chamado tambu, caxambu, angoma, papai etc.), outro menor (chamado candongueiro, mancadô etc.). Há também a puíta (uma espécie de cuíca muito grande que se toca sentado) e um chocalho (conhecido por vários nomes: guaiá, inguaiá, angoiá, anguaiá). O jongo possui um caráter místico: através das rodas os participantes reverenciavam as "almas" dos seus antepassados.

http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/5ritmos/jongo.html


A tradição persiste no ensino do jongo às crianças
Piquete, SP

A LINGUAGEM CIFRADA NOS "PONTOS" DE JONGO
Maria Virgínia Chambela Costa (UCB)

A pesquisa em questão diz respeito a uma análise da linguagem cifrada nos pontos de Jongo com a intenção de mostrar a riqueza de linguagem que existe nessa manifestação folclórica. As manobras estilísticas (Ducrot, 1977) e os jogos lingüísticos através da
mutação semântica das palavras (Giraud - 1975) estão sempre presentes. Em princípio, é primordial que se entenda o que significa "Jongo". É uma palavra oriunda do quimbundo, língua dos indígenas bantos de Angola. É um ritmo que chegou ao Brasil- colônia, com os negros trazidos como escravos para o trabalho forçado nas fazendas de café do Vale do Paraíba. Os bantos são membros de uma grande família etnolinguística dos escravos chamados angolas, congos, cambindas, benguelas e moçambiques e foram os primeiros escravos que chegaram ao Brasil. A dança do Jongo é de intenção religiosa  fetichista, podendo ser considerada afro-brasileira. É uma coreografia de roda, com movimentos circulares no sentido contrário aos dos ponteiros do relógio. Dança-se ao som de dois tambores: um grande"tambu", outro pequeno, "candongueiro"; de uma "puíta"ou "cuíca". Usam também "guaiás"(chocalhos). Os jongueiros procuram vencer um ao outro num desafio, através dos "pontos" do jongo. A dificuldade reside no texto dos pontos, pois são todos enigmáticos e metafóricos. "Ponto é uma pergunta versificada, cantada, falada ou declamada que o adversário precisa adivinhar o que seja. Se adivinha ele "desata" ou "desamarra" o ponto. Os pontos encerram um sentido simbólico que dá às palavras uma semântica peculiar aos jongueiros, possibilitando o entendimento entre eles. As frases curtas retratam o contato com a natureza, o dia-a-dia do trabalho braçal nas fazendas, a revolta com a opressão sofrida e a saudade da África. Sempre no linguajar do homem rural. Os escravos trouxeram com eles o ritmo africano para cultuarem, em seus rituais, os seus ancestrais e deuses. Aqui aconteceu o que é chamado pelo folcloristas de "funcionalidade do folclore", baseado no fato de que o povo não conhece o ato gratuito, tudo o que faz tem um destino ou preenche uma função. O fato folclórico se modifica de acordo com a sociedade. Esses escravos se comunicavam através de mensagens secretas, onde protestavam contra a escravidão, zombavam dos patrões publicamente, combinavam festas de tambor e fuga. Segundo Ducrot (1977), quando fala sobre "O implícito fundado na enunciação", o ato de usar a palavra não é, "nem um ato livre, nem um ato gratuito". Não é livre porque algumas condições devem ser satisfeitas para que se faça uso da fala; não é gratuito, porque toda fala apresenta-se motivada, pois está sempre respondendo a certas necessidades ou visando a certos fins. Os jongueiros aprenderam a trocar o sentido das palavras, criando um novo vocabulário para se comunicarem entre si e fugirem do castigo dos senhores que não entendiam esta linguagem cifrada, enigmática e metafórica. Ex: quando algum escravo via o senhor chegando, avisava aos outros através do ponto.

Ei campo quimô
Ei campo quimô
Piquira tá curiando
Piquira tá curiando, é...


Nota: piquira é um peixinho muito pequeno e os escravos eram os piquiras em
atividade.

E quando não o avistavam com tempo de avisar aos companheiros cantavam:

O cumbi virô, ei, ei, ei
o cumbi virô ,ei, ei, ei
cumbi, á, á, á, á, á,


Nota: cumbi era o "sole". Simbolismo de autoridade, sol e sinhô. 

E ao terminarem as atividades e chegada a hora de ir embora , cantavam:

"Vamo simbora ,
vamo simbora
A coroa do rei alumiô".


Nota: a lua já havia aparecido. A lua era a coroa do rei, do sol. Era noite.

Giraud (1975) explica que "o valor semântico de uma palavra é o seu sentido" e também afirma que "uma mutação semântica é uma mutação de sentido". Em muitos casos o enunciado contido no ponto do jongueiro serve apenas para fazer a mensagem passar, deixando-lhe a possibilidade de refugiar-se por trás do sentido literal.

Água com areia
Não pode combiná
Água vai imbora
Areia fica no lugá


Nota: água é o fazendeiro novo, inexperiente, sem prestígio político, que fracassa em seus negócios; areia é o proprietário antigo, poderoso, forte, que domina o município.
Manobras estilísticas é o termo empregado por (Ducrot, 1977) quando: "a manifestação do conteúdo implícito repousa numa espécie de astúcia do locutor. Sabendo que o destinatário vai procurar as motivações possíveis do ato de enunciação realizado, e que , se acreditar na honestidade desse ato, vai interrogar-se sobre as conseqüências dos fatos enunciados, o locutor procura trazer o destinatário para o seu próprio jogo e dirigir à distância seus raciocínios". O jongueiro procura sempre enredar os outros com jogos lingüísticos e manobras estilísticas, no sentido de provocá-los com palavras para testar
sabedoria.

Vim no seu caminho
Mas não vim furá pilão
Eu venho contá vaca
Não venho contá bezerro

Nota: "estou no seu caminho, mas sem má intenção, não vim brigar nem ofender, vim para as coisas de maior importância e não quero saber de ninharias".

Debaixo de papai velho
Menino tá sepurtado
Quero contá do meu ponto
Menino tá sepurtado"

Resposta do outro jongueiro:

Meu irmão sendo mais velho
Licença peço procê
Eu vô desinterrá menino
Pra nóis tudo aqui bebê.

Nota: "o chefe do jongo , companheiro do cantador desde a infância, enciumado com a sabedoria, enterrou uma garrafa de pinga debaixo do tambu". Ainda, segundo Ducrot (1977) as manobras estilísticas permitem ao locutor fazer com que o destinatário entenda o que se quer dizer sem ter dito, fugindo aos riscos que poderiam surgir com a explicitação. O ouvinte fica sabendo mas, ao locutor fica garantido o poder de negar. Os jongueiros utilizavam, largamente, estas manobras em seus pontos, como se pode ver:

O pinto com o galo
Dorme junto no polero
Se o galo facilitá
O pinto canta primero.

Nota: galo, jongueiro velho; pinto , jongueiro novo. Todos juntos na dança, mas o galo deveria ter cuidado para que o mais novo não demonstrasse maior sabedoria. Segundo Mangueneau (1996), o implícito desempenha um papel primordial onde "dizer , nem sempre é dizer explicitamente"; o dito e o não dito estão sempre entrelaçados no discurso onde "a pragmática concede todo o peso às estratégias indiretas do enunciador e ao trabalho de interpretação dos enunciados pelo co-enunciador. Muitas vezes o locutor enuncia o explícito para fazer o implícito passar, invertendo a hierarquia "normal" para chegar a seus fins". Isso pode ser visto nesses pontos:

O mundo estava torto
São Pedro endireitô
Na sola do seu sapato
Corre água e nasce frô.

Nota: água, simboliza pinga; havendo água, há flor; havendo pinga, há alegria.

Eu vim de baixo
Sinhá me falô
Não catuca boi da guia
Que eu também sô guiadô.

Nota: boi da guia, é o principal, que dá direção aos outros. Um jongueiro estava provocando o chefe , e um outro avisa que não o melindrasse, que ele também era guiador, estava, portanto, ali, para defendê-lo. 

Dandeiô, danda, 
bandeira de São Pedro,
Letrero de São João.

Nota: você diz que a coisa é uma, mas, a coisa é outra. O implícito pode ser interpretado como um procedimento da fala que dá ao locutor a oportunidade de dizer alguma coisa sem precisar aceitar a responsabilidade de tê-la dito; ele pode beneficiar-se da "eficácia da fala e da inocência do silêncio". Esta linguagem cifrada passou por modificações a partir da abolição dos escravos. Os ex-escravos e seus descendentes não receberam um pedaço de terra para continuar trabalhando na agricultura, e então, foram migrando, principalmente, para a cidade do Rio de Janeiro. A chegada desta população procedente do Vale do Paraíba, do interior do estado, de Minas Gerais e do Espírito Santo, fez com que o Rio de Janeiro se tornasse a região do Brasil com maior número de jongueiros, quase todos radicados na região central da cidade. Com a reurbanização do centro do Rio, na gestão de Pereira Passos, a população pobre foi expulsa dali. Essa população, de maioria negra, teve que subir para o alto dos morros, até então desabitado, inaugurando uma nova forma de moradia: - as favelas, onde o jongo continuou a ser praticado, gerando duas manifestações distintas. Uma foi a macumba, saída da linha mística, onde os jongueiros invocavam os antepassados. Outra é o samba, que veio da parte profana, voltada para o divertimento e a brincadeira. Até hoje, alguns núcleos familiares de afro-descendentes persistem em manter viva a tradição do jongo. No morro da Serrinha em Madureira, existe um grupo chamado "Jongo da Serrinha" liderado por Maria de Lourdes Mendes, "Tia Maria do Jongo", hoje com 83 anos. Suas atividades vêm ampliando o potencial artístico do ritmo, atraindo a atenção do Brasil e do exterior para esse patrimônio cultural. 

Bibliografia
GIRAUD, Pierre. A Semântica. São Paulo: Difel, 1975.
DUCROT, Oswald. Princípio de Semântica Lingüística. São Paulo: Cultrix, 1977.
MANGUENEAU, Dominique. Pragmática para o Discurso Literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. O Jongo. Rio de Janeiro: Funart, 1984. 
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: Melhoramentos, 1980.

http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno13-04.html


Jongueiros em Piquete
Ponto de Jongo na voz do Prof. Gil


FOTOS DE LETY

l 1 l 2 l 3 l 4 l 5 l 6 l 7 l 8 l 9 l 10 l

voltar

| Home | Contato | Cantinho Infantil | Cantinho Musical | Imagens da Maux |
l
Recanto da Maux | Desenterrando Versos | História e Genealogia l
l
Um Herói nunca morre l Piquete - Cidade Paisagem l
MAUX HOME PAGE- designed by Maux
2003 Maux Home Page. Todos os direitos reservados. All rights reserved.