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Reserva
de Dignidade
O texto
bíblico (Ex 17,12-13) me conduziu a sérias reflexões a respeito dos
critérios de Deus a respeito dos merecimentos dos seres humanos. “12
Mas, como se fatigassem os braços de Moisés, puseram-lhe uma pedra
por baixo e ele assentou-se nela, enquanto que Aarão e Hur lhe
sustentavam as mãos de cada lado: suas mãos puderam assim
conservar-se levantadas até o pôr do sol 13 e Josué derrotou Amalec
e o seu povo ao fio da espada”. Será que, entre os israelitas,
ninguém mais havia que merecesse implorar ajuda de Deus para o
exército de Josué? Abrãao (Gn 19,29) pedindo pelos justos das
cidades condenadas e Elias (I Rs 18,20-40) desafiando os sacerdotes
de Baal dão outra mostra da predileção de Deus por algumas de suas
criaturas. E o critério dos seres humanos? Se tivéssemos de escolher
mulheres e homens garantidores do equilíbrio de nossa cidade,
propiciadores do livre trânsito do bem em todos os ambientes, quem
seriam os indicados?
Alguém se lembra daquele professor que
foi colocado naquela grota que poucos conhecem. A ele foram
entregues meninos, à época, em situação de risco. E eles se
transformaram em bons cidadãos piquetenses.
– Mas... e aquela
professora pouco afeita a sedas e balangandãs, com muitos filhos,
que escolheu a educação por fanal? Ela chamava o mais simples aluno
de doutor. E alguém levou a sério o chamamento.
– E as
professoras do Jardim de Infância que ensaiavam as festas juninas?
Sabem? Aquele moreninho, de olhos redondos, que puxava a quadrilha
deve ter guardado, no recôndito de seus neurônios, aquela melodia e
letra capazes de dar novo sentido à vida: “Ai! meu Deus! Que
rebuliço / Esta festa está tão boa / Parece que tem
feitiço!”
– Vocês estão esquecendo aquele prefeito que nunca
ofendeu seus adversários com a palavra escrita ou falada! E o
vereador que nunca tomou parte em conchavos para empatar as obras do
prefeito do outro partido!
– Mas isto é muito pouco perto do
que fez aquela Filha de Maria Auxiliadora que, com seu eterno
sorriso e palavras certas, era responsável por boa parte da cura dos
doentes hospitalizados!
– E um certo médico que veio novinho
e recém-formado para Piquete, assumiu o Posto de Saúde com muita
determinação e foi um exemplo de respeito aos habitantes desta
cidade?
– E a parteira de voz grave que se tornou a avó
querida da criançada?
– E o padrinho, com seu terno
impecável, que interrompia a conversa com os amigos e atravessava a
rua para abençoar os afilhados e dar-lhes um níquel?
– E os
seresteiros, com seus violões chorões, que ajudavam os amigos a
dobrar os corações empedernidos das namoradas? E o maestro da banda
que caprichava nas retretas do coreto?
– Mas... e aqueles
professores de educação física e treinadores que preparavam aquelas
magníficas demonstrações de ginástica, bons times de futebol, de
basquete e vôlei?
– E os promotores e artistas do jongo e da
folia de reis, dos desfiles de carnaval e concursos de fantasia e de
beleza?
– E as barraquinhas das quermesses com as mãos santas
que nos premiavam o olfato e o paladar com pastéis de farinha de
milho? E os leiloeiros de gado na festa de São Miguel?
– E o
comerciante que, fechadas as portas da lojinha, ia cuidar do jornal
e do concurso de declamação?
– E os guias dos magníficos
passeios aos picos da cidade? – E os que trabalham diuturnamente
pelos doentes, pelos velhinhos e pelas crianças carentes? E
confortam os últimos momentos da vida com assistência psicológica e
espiritual?
– Mas bom mesmo é quem teve a idéia de trazer a
festa do peão; é radical ver aquele recinto ferver! O jumento e
família – pura ou híbrida – merecem lugar de destaque na história da
cidade e de todo o país. O tropeiro – centauro tupiniquim – e sua
pachorrenta montaria cresceram em destreza e elegância e se
transformaram nos magníficos peões e cavalos que provocam admiração
no mundo inteiro.
Piquete tem tanta gente boa, que até Deus
ficaria indeciso na escolha! Parabéns a todos os piquetenses na
festa de sua emancipação política! Parabéns a todos os que
mantiveram a ordem, limparam as ruas, levantaram prédios, criaram
bairros, ofereceram empregos, edificaram igrejas de todos os credos,
enfeitaram praças e avenidas, plantaram árvores e irmanaram o povo
nas campanhas e comemorações. Todos ajudam a compor a nossa reserva
de dignidade, que faz Piquete uma cidade feliz aos olhos de seus
habitantes, aos olhos de seus vizinhos e – quem sabe? – aos olhos de
Deus.
Abigayl Lea da Silva Jornal "O Estafeta" - junho
de 2009 |