ESTÁ
FALTANDO...
Naquela mesa
está faltando ele... Falta o som de seu piston, a alegria de seu sorriso,
a emoção de suas histórias. Está faltando ele. Está faltando o meu papai
Loló...
No entanto, a sua presença nessas páginas se faz cada vez
mais forte, pela confirmação de tudo que ele nos contava. Papai descrevia
a injustiça, o esquecimento, a mágoa dos pracinhas da FEB. A maior parte
deles possuía pouco mais de vinte anos de idade; foram retirados de seus
lares, quase todos ignorantes, analfabetos, sem qualificação profissional,
despreparados para uma vida distante de suas origens. Esses jovens
receberam uma determinação do governo brasileiro: defender a Liberdade e a
Democracia em terras distantes, enfrentando o frio, as granadas e os
morteiros, expondo suas vidas e sua higidez física e psicológica. O
objetivo dessa guerra e o que ela significava, eles não entendiam, mas
assumiram firmemente a sua tarefa. Não fugiram da luta nem da dor. Nem o
temor da morte (a "paura") que os acompanhava sempre, nem a perda de seus
companheiros, impediu que combatessem até a vitória final. Voltaram - os
que puderam voltar - certos do acolhimento e proteção da Pátria por eles
defendida. Receberam aplausos, as bandeiras tremularam nos desfiles, hinos
foram entoados em seu louvor. Sentiram-se recompensados pela atenção do
país para com eles: os heróis brasileiros. Toda a dor e sofrimento poderia
ser esquecida agora e a vida lhes parecia promissora. Eram homens simples,
crédulos e confiantes, mas foi tudo tão efêmero... Sua luta, sua coragem,
sua solidão nas noites geladas dentro dos foxholes, nada significou, nada
valeu na reconstrução de suas vidas.
Papai nos descrevia tudo isso.
Falava de seus companheiros sem trabalho, sem o apoio do país que deveria
responsabilizar-se por eles. Penalizava-se e procurava ajudar sempre aos
pracinhas que não puderam recomeçar suas vidas, como ele fez. "O Brasil
nunca me deu nada em troca", dizia sempre. Através dessas pesquisas,
disponibilizando nessas páginas o resgate da história desses homens
esquecidos, sinto ainda mais a falta de meu pai. E vejo como estava certo
ao afirmar que a mais difícil guerra dos pracinhas foi vivida após o
retorno ao Brasil, percebendo que foram enganados e - pior ainda - sendo
desprezados e perseguidos como loucos e "neuróticos de guerra". Os mais
conscientes e reivindicadores eram rotulados de "comunistas".
"A
neurose de guerra apareceu anos mais tarde", dizem de alguns pracinhas. E
eu me pergunto se essa "neurose de guerra" eclodida anos depois, não
surgiu em função da decepção e da mágoa, pela dor do abandono, pela
miséria, pelo desemprego, pelo desprezo que receberam ao
voltar.
Maria Auxiliadora Mota Gadelha Vieira
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