FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA |
BRASILEIROS NA ITÁLIA
Os LCI
Arquivo Gen. Tácito Theóphilo Gaspar de Oliveira
Após o almoço,
quando a tropa retornou do acampamento americano, já estavam ancoradas no
porto cerca de 64 barcaças encouraçadas, denominadas "Landig Graft
Infantry", próprias (aliás, como diz o nome) e bastante utilizadas, na
última guerra, para transporte e desembarque de tropas nas proximidades
das frentes de combate. As belas embarcações, de pintura recente, estavam
enfileiradas, presas, unidas umas às outras, formando uma espécie de
gigantesca esteira flutuante, ondulando e balouçando sobre as águas do
Mediterrâneo, romanticamente, ao entardecer... O embarque, sob a
orientação de oficiais aliados experientes nesse assunto, deu-se
rapidamente. Via-se ali uma coisa que iria se repetir muitas vezes: sempre
que o comando não atrapalha, a tropa age bem. Em ordem e metodicamente, os
homens, separados em grupos de aproximadamente cento e quarenta a cento e
sessenta por barcaça, tomaram seus respectivos lugares. Entardecia, uma
tarde nublada, de horizontes entenebrecidos, quando a frota de pequenas
embarcações singrou as águas agitadas do Mar de Tirreno, ao longo da costa
italiana. A proporção que o cardume de pequenos barcos avançava, mais
violento e agitado mostrava-se o mar. Ondas imensas se erguiam fazendo as
barcaças desaparecerem nos buracos abertos: a água espumante varria os
conveses de lado a lado. Fora dos porões apertados, tinha-se que se
agarrar às cordas e cabos de aço para não ser arrastado pelas ondas que
vinham e passavam. Muitos soldados que resistiram bem a travessia do
Atlântico, nos grandes navios, ali, viajando nas barcaças, baquearam.
Enquanto as barcaças avançavam beirando as penedias, sobre elas, nas ilhas
e nos pontos mais destacados, as antiguíssimas ruínas de castelos iam
aparecendo e ficando para trás. Somente ao amanhecer, chegando no porto de
Livorno, é que o mar se fez mais calmo. No porto de Livorno a tropa passou
para os caminhões reforçados de transporte do Exército Norte-Americano,
que a conduziu para a área de acampamento, na Quinta Real de San
Rossore. |
O 2º Escalão foi transportado de Nápoles para Livorno em
embarcações LCI.
Na foto, eles estão deixando Nápoles.
Foto escaneada do
livro "Cinqüenta Anos Depois da Volta" - Octávio Costa
Após tantos dias de viagem, tanta expectativa e receio, chegávamos ao teatro da luta. As saudades dominavam os nossos corações; a dúvida sobre o que seria o inimigo, agora tão perto de nós, assaltava-nos a todo instante. Que raça seria essa que assombrava o mundo? Que povo seria esse que abalava as nações e agitava os outros povos, sacudindo-os como se numa vertigem, num desvario ou numa loucura incompreensível? Nas imediações do porto de Livorno, quase uma centena de caminhões achava-se à nossa espera e, vergados sob o peso dos sacos de lona, exaustos da viagem, alguns ainda enfermos, lotamos as viaturas que nos conduziriam a lugar até então ignorado. A ordem de partida, os caminhões entraram em movimento, um após outro, formando uma extensa coluna. Em marcha regular, numa ótima estrada asfaltada, atravessamos pequenas localidades, onde, pela primeira vez, tivemos contato com o povo italiano. A nossa passagem, homens, mulheres, crianças saíam à rua aos gritos: "Brasilianos! Brasilianos" e batiam palmas, cercando os caminhões, enquanto que os soldados lhes atiravam chocolates, doces; latas de conservas e cigarros. Em cada povoado que cruzávamos, era uma festa, uma alegria sem conta da parte das populações, e não muito menos da nossa, pois durante 16 dias somente víamos céu e água. Tudo aquilo constituía para nós um espetáculo novo: o luto entre o povo, postes elétricos tombados, trilhos de estrada de ferro vergados fora do leito, a miséria, enfim, moral e material provocada pela guerra; formando aquele quadro tipicamente impressionante. Em menos de uma hora, estávamos avistando a cidade, em cujas redondezas deveríamos acampar: Pisa! Reconhecemo-la, pelo monumento que ela ostenta; a Torre Inclinada, que forma a 7ª maravilha do mundo, gigantesca, toda de pedra e mármore, aquele colosso se ergue sem prumo, imponente, nas suas linhas, onde a arte se fez imortal A Torre Inclinada, é um marco eterno, que, parece mostrar ao forasteiro a cidade histórica que a contorna. Vendo-a, os nossos olhos não se cansavam; e embora as viaturas, ávidas de chegar, corressem desenfreadamente, os nossos olhares acompanhavam o gigante de pedra, até o limite da vista. Pisa foi a terceira cidade da Itália que o segundo escalão da FEB conheceu. Era, também, a cidade mais bombardeada e a que apresentava maiores vestígios de destruição, quer no centro, quer em seus arredores. Por um verdadeiro milagre não foram destruídos o Batistério; a Catedral e a Torre Inclinada, os três maravilhosos monumentos de que os pisanos se orgulham e com os quais os brasileiros tanto se encantaram. O local escolhido para o acampamento do segundo escalão da FEB, em- Pisa, foi o Parque do Rei Vitor Emanuel, em "San Rossore". Melhor não poderia ter sido a escolha. Um planalto magnífico abria-se à nossa frente, a perder de vista... Rasgando-o, em duas partes, uma estrada asfaltada, de 8 metros de largura, percorre toda a sua extensão, enveredando-se para as bandas de Luca, a encontrar-se com a "auto-estrada" que corta a Itália de norte a sul. Margeando a rodovia, à direita e à esquerda, renques de árvores frondosas seguem o seu percurso; e a alameda, então, dava um aspecto agradável a nossos olhos, ora lembrando a Quinta da Boa Vista, ora fugindo, em saudosas reminiscências, para as avenidas do Rio de Janeiro. Segundo fomos informados, o Parque do Rei Vitor Emanuel, em "San Rossore", abrigava em suas matas, à sombra de frondosas árvores, a cobiçada caça para as distrações de verão de Mussolini e sua camarilha. Bons tempos! - diria hoje o Duce, se vivo fosse! Foi, pois, à margem direita da imponente estrada, em pleno Parque Real, que os brasileiros acamparam, vindo de Pisa. Tão logo chegamos, armaram-se as barracas e, ao anoitecer do dia 12, já os campos de "San Rossore" eram uma cidade improvisada, uma guarnição militar genuinamente brasileira. Estava mais do que desmoralizada a teoria da "5ª coluna" no Brasil! Nessa mesma noite, noite escura e em que o acender de um fósforo constituía um atentado às nossas vidas, Frei Orlando, de saudosa memória, rezou o terço em louvores à Virgem! Na manhã seguinte, 13 de outubro, tivemos dolorosa surpresa: a população de Pisa e os habitantes dos vilarejos vizinhos estavam em massa, na longa estrada, rodeando o acampamento. Locomoviam-se em bicicletas, a pé, em carroças, e eram crianças, moços, velhos, todos munidos de cestas, bornais, etc. à procura de alimento. A fome imperava entre aquela gente e fazia dó ver a insistência, a avidez de cada um em conseguir os restos de pão e café. O brasileiro, o mundo todo bem o sabe, não entrou em terras da Itália com ódio no coração, isto porque nem todo italiano era fascista. Daí a expansão visível do seu sentimento, da sua generosidade para com aquele povo oprimido, humilhado, subjugado pelos tacões nazi-fascistas. Os brasileiros perceberam, desde início, que se achavam diante de um dos maiores flagelos que a guerra traz: a fome! E, desnecessário seria dizer, distribuíam, a mancheias, não só alimentos como também cigarros, peças de roupa inservíveis, etc. minorando, em parte, o sofrimento das populações. Não raras vezes os soldados dividiam a sua própria ração, isto quando não lhas davam intacta. E foi assim que, se o Parque do Rei Vitor Emanuel, dantes fora privativo, transformara-se, com a nossa chegada, em um celeiro, que os italianos, aos bandos, procuravam. Cadavéricos, tristonhos e abatidos, chegavam-se às imediações do acampamento e não precisavam pedir nem implorar, pois os soldados se encarregavam de lhes dar nas mãos. Os próprios americanos admiravam-se do nosso gesto, do nosso espírito magnânimo. Em troca da alimentação que recebiam, as moças prontificavam-se lavar as nossas roupas e mister é que se diga; muitas se apresentavam, pelo aspecto, pela educação e pelas boas maneiras, serem da fina flor de Pisa. É que na Itália, se preconceito havia, este fora extinto pelo sofrimento, pela miséria de seu povo. Era desolador o quadro que se nos deparava, cenas pavorosas para o nosso sentimento, para o coração sensível dos brasileiros; tão accessíveis à dor humana... "De São João
Del Rei ao Vale do Pó" |
Primeiro escalão da FEB desembarca em Nápoles, transportando
sua bagagem composta dos sacos A e B.
Foto escaneada do livro "Nas Barbas do
Tedesco" - Elza C. Medeiros
Pusemo-nos em marcha, observando e sendo observados. E como diriam nossos caboclos: maginando, maginando! Grandes prédios destruídos, outros de sete, oito andares, fendidos de alto a baixo, ruídos pela metade, a outra metade mal equilibrada, com alguns móveis e objetos à mostra. Lá no alto vejo um berço abandonado, vejo uma gaiola, segura provavelmente por um prego, na parede nua. Rezo pela criança que teria estado naquele berço. Imagino o que teria acontecido com o passarinho. Morrera com a explosão, ou morrera de fome e sede, a gaiola abandonada naquela parede inacessível? Olho aquela destruição aterradora, penso na força tremenda das bombas capazes de desmanchar aquelas construções enormes e sólidas, e penso naquelas mesmas bombas jogadas em cima de nós, de nossos corpos frágeis, esmagando-nos como botas a formigas. E continuávamos matutando e marchando, pensando no que nos aguardava. A população, curiosa, assistia a nossa marcha. Logo percebi a dúvida de muitos italianos diante daquela tropa desconhecida e estranha. Prisionieri tedeschi? Perguntavam-se diante da similitude de nossos uniformes com os dos alemães. Estávamos desarmados, parecíamos, por isso, prisioneiros. Mas, e os negros? Não poderiam ser alemães. Nossos uniformes eram extraordinariamente parecidos com os dos inimigos. Havia quem dissesse que teriam sido confeccionados para que lutássemos ao lado deles. No início da guerra eles estavam vitoriosos em toda a linha. Levaram a Europa inteira de roldão, impetuosos, imbatíveis, como se fossem uma força incontrolável da natureza, uma enchente, um furacão. A França heróica, de gloriosas tradições guerreiras, ruíra como um castelo de cartas em pouco tempo; a força expedicionária inglesa, largando armas e bagagens, fugira nua para a Inglaterra, assim mesmo porque Hitler detivera seus Generais. Tudo parecia indicar que a Alemanha ganharia a guerra. Nosso Presidente já manifestara sua simpatia, em discursos memoráveis, pelo nazismo e pelo fascismo, profetizando a aurora de novos tempos, de ordem, de disciplina, de autoridade. A democracia estava falida. Voto não enchia barriga. A maioria de nossos oficiais superiores era germanófila. Eu mesmo era germanófilo. Enquanto os alemães não mexeram com o Brasil, muitos de nós o éramos. Quando nossos navios foram torpedeados, houve uma reviravolta completa em nossos sentimentos e admirações. Éramos brasileiros acima de tudo, muito antes de sermos amigos de alemães e italianos. Teriam sido mesmo nossos uniformes confeccionados à imagem e semelhança dos uniformes alemães? Não creio. É mais provável que tenha sido mera coincidência. Mas que eram parecidos eram. Que houve problemas de infiltração de inimigos em nossas linhas confundidos com homens nossos, houve. "Crônicas de
Guerra" |
Brasileiros em "batismo" netuniano, na passagem da Linha do
Equador.
Quantos desses jovens irreverentes e felizes ficaram em
Pistóia?
Foto escaneada do livro "Nas Barbas do Tedesco" - Elza C.
Medeiros
Um navio carregado de alimentos, atracou no porto de Nápoles. Navio brasileiro, com comida para o soldado brasileiro. O Serviço Médico Aliado, examinou a carga e mandou descarregar, e mandou espalhar gasolina, e mandou por fogo. Achou que não servia: feijão carunchado, arroz mofado, farinha de mandioca embolorada,. charque podre. Depois disso nunca mais mandaram navio de comida para o soldado brasileiro. Parece que houve uma ordem do Comando Superior Aliado: "Não mandem mais essas coisas!" Isto foi bom para os dois lados: bom para os que estavam roubando o dinheiro que era para comprar comida de primeira e já não precisavam comprar mais nada; e bom, melhor ainda, para o soldado que estava guerreando na Itália e não teria que comer feijão carunchado, arroz mofado, farinha de mandioca embolorada, batatinha brotando, cebola podre, charque podre e fumar Fulgor, Yolanda e Liberty, molhados e ardidos. Só que, com isto, o Brasil fez uma bruta dívida da comida que o americano forneceu para o soldado brasileiro. Mas esta sim era comida de primeira. De primeiríssima. O chato da história é a gente ter vergonha... "Verdades e
Vergonhas da Força Expedicionária Brasileira" |
Mulheres da Cruz vermelha servem soldados brasileiros, recém
chegados à Itália.
Foto escaneada do livro "Cinqüenta Anos Depois da Volta" -
Octávio Costa
AS PLACAS DE
IDENTIFICAÇÃO "Crônicas de
Guerra" |
Um Herói nunca morre!
Simples História de um Homem
Simples
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