FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA

 

 

PROPAGANDA NAZI-FASCISTA E CONTRA-ESPIONAGEM

 


Propaganda de Guerra
Arquivo General Tácito Theóphilo Gaspar de Oliveira

Embora às vezes confundida a uma estação propriamente dita (porque se anunciava como Rádio Auriverde, a voz da verdade, uma estação da FEB), de fato, o que existiu (e como se vê na iconografia e assim o pracinha a recorda) foi um programa radiofônico transmitido em português para as linhas brasileiras, intitulado Hora Auriverde. A Hora Auriverde constava da programação da Rádio Vitória pertencente ao Ministério da Propaganda e ao Exército alemães que, diariamente - entre 13:00 e 14:00 horas -, durante quatro meses (entre janeiro e abril de 1945), irradiava de Fino Monasco, perto de Como (noroeste da Itália, poucos quilômetros acima de Milão), uma miscelânea que se poderia definir como ideológico-tropicalista (com frases do tipo: O Brasil é um papagaio enjaulado na gaiola de ouro dos Estados Unidos) - visando fragilizar o íntimo do último (e único latino-americano) guerreiro a estrear na Europa e quando o conflito já se avizinhava do fim. A Rádio Vitória transmitia em tantas línguas quantos os contingentes estrangeiros que integravam as tropas aliadas na Itália (além de americanos e ingleses, havia polacos, indianos, neozelandeses, sul-africanos e até japoneses e havaianos. Mesclando notícias internacionais e sobre o Brasil, obviamente tendenciosas, esquetes com o humor escrachado do teatro de revistas, num segmento chamado Conversa no Café Nice e música popular e de Carnaval, a Hora Auriverde almejava desmoralizar divertindo - e para tanto empregava um diapasão coloquial e confidente. Numa outra vertente, menos light, ferindo o amor próprio do pracinha, incitava-o a desertar, já que estaria servindo de carne de canhão para os americanos (referência ao IV Corpo do V Exército dos EUA, ao qual fôramos ajuntados, e que invadira - com os ingleses - a península itálica em 1943, enxotando os nazistas para o norte, uma arenga mais ou menos ao estilo grosso e direto dos volantes que a artilharia inimiga lançava sobre acampamentos e posições da FEB. Venha ao mundo da fartura, da liberdade e da paz da Nova Alemanha. Apresente-se com este folheto às nossas tropas, que será bem tratado. É o seu passaporte para a felicidade. Aliás, as irradiações eram a extensão sonora e bem acabada dos panfletos, um e outro, redigidos em bom português (as transmissões recorriam até à gíria carioca), embora os impressos - apelando a ilustrações e insinuações sexuais - alcançassem sucesso bem maior, já que muitos pracinhas eram analfabetos. Ambos, no entanto, se esmeravam nos subterfúgios ideológicos para atingir seus objetivos: o de carregar nas tintas quanto às intenções camufladas por trás do paternalismo dos norte-americanos que, era público, transportavam, vestiam, alimentavam, albergavam, instruíam, armavam, hospitalizavam, pagavam e comandavam a FEB. No pós-guerra, esses créditos reforçaram a dependência do país. Com sarcasmo e bazófias sobre o que ocorria na retaguarda e como eram supostamente maltratados os familiares no Brasil, citando inclusive nomes e casos particulares, e ainda, como os aliados os menosprezavam, a voz subversiva reiterava que a FEB não passava de uma tropa subsidiária a reboque do exército americano. E, portanto, os pracinhas massa de manobra de uma sórdida e funesta conspiração de Washington (Vargas teria trocado com o presidente Roosevelt o envio de uma tropa à Europa pelo financiamento da usina de Volta Redonda) para a futura dominação do Brasil. No que, convenhamos, não estava muito longe do que iria acontecer, numa terrível visão e premonição... Sem nenhum rebuço ou eufemismo humanitários, locutores e textos iam fulminantes à alma do soldado brasileiro, na prática curtido por uma inevitável subalternidade logística, estratégica e mesmo moral: o corpo esburacado pelas balas ou uma sepultura na Itália sempre deveriam ser melhor pagos, a propósito dos 95 dólares mensais que o pracinha recebia. Durante a fase estacionária da FEB, no inverno de 1944/45, os alemães - através de alto-falantes instalados na cordilheira que incluía o Monte Castelo - colocavam no ar a gravação de jogos de futebol captados na onda curta da Rádio Nacional; vez por outra, nos momentos de perigo de gol, um locutor - falando um português corrente - interrompia a irradiação para concitar o pracinha a fugir, ao invés de sofrer na neve e na imundície: Para que morrer agora, se existe ainda outra possibilidade? Ouve só o que você está perdendo? Como revide, a FEB também instalou sua bateria sonora na linha de ação avançada, que transmitia mensagens amplificadas num alemão castiço (com certeza, lidas por algum catarinense oriundo...): Warum kämpft Ihr Deutschen soldaten immer noch? (Por que vocês soldados alemães continuam lutando?). Ocupavam os microfones (e também, co-responsáveis pela maior parte do noticiário, comentários e esquetes) da Hora Auriverde, três brasileiros - um deles, inclusive, fora à Itália estudar canto em 1938, e aproveitava para soltar trinados nos saraus com sambas e choros da programação; o outro, era um pracinha tornado prisioneiro, em fins de 1944. Completando o elenco, havia uma jovem mulher - que já vivera na Alemanha antes da guerra, taquigrafa e que se travestia com o codinome de Iracema: era a versão germano-tupiniquim da legendária Rosa de Tóquio (trinta anos depois, os americanos conheceriam a Hannah de Hanói; como hoje eles ouvem a voz maviosa - que os remete ao destino fúnebre do Vietnã - da Bagdá Betty, no Golfo Pérsico: a história - essa velha madrasta - se repetindo sem dar ouvidos à ideologia...). Finda a guerra e enquadrados como traidores da pátria, no Brasil o trio foi submetido a um longo e tortuoso processo (pela natureza do delito, inédito nos anais das nossas Forças Armadas) com o intuito de escarmentá-lo como exemplo. Depois de presos preventivamente por alguns meses, em 1956 os três locutores ganharam absolvição por não ter sido caracterizada traição alguma.

"Rádio Auriverde"
Sylvio Back


Propaganda de Guerra
Arquivo General Tácito Theóphilo Gaspar de Oliveira

Trago ainda do PC duas outras lembranças das últimas noites: são volantes que os nazistas deixaram cair sobre os pracinhas brasileiros no mês passado, quando a ofensiva das Ardenas lhes trouxe uma luminosa e efêmera esperança. O primeiro diz assim:

"Brasileiros! A ITÁLIA, O INFERNO DE SANGUE, continuará a chupar o vosso sangue, como já sucedeu em Bombiana e Abetaia. O impiedoso frio invernal continuará a apoquentar-vos. Desde o dia 16 de dezembro a Alemanha encontra-se novamente no ataque. Nove divisões americanas foram para o diabo na frente ocidental, nestes últimos dias. E, além disso, ainda mais 1 000 carros blindados. O que vos espera na Itália, ainda vocês verão. A GUERRA CONTINUA". 

O outro é um convite amável, impresso a cores:

"RADIO AURIVERDE ESTAÇÃO FEB. Ouça as canções de sua terra. Ouça a Voz da Verdade! Ouça RADIO Auriverde! Soldado brasileiro! Você quer saber o que acontece no Brasil? Você quer escutar músicas brasileiras, canções da sua terra, sambas, tangos e músicas de dança, maxixe e modinha? Ligue o seu rádio para ouvir a Estação Especial da FEB! A Rádio Auriverde irradia diariamente em transmissão especial para os soldados expedicionários brasileiros. Não esqueçam: das 13 às 13,45 horas no comprimento de ondas de 47,6 metros - 6.300 quilociclos".

 Já falei em reportagens anteriores sobre a Rádio Auriverde e os programas que os nazistas irradiam todos os dias. O noticiário telegráfico vindo do Brasil, é sem dúvida alguma, uma das obras-primas da quinta-coluna nacional. Mas nós também temos nossos prospectos e nossos volantes. Nada fica sem resposta e não necessito dizer aqui que nossos argumentos - argumentos, de quem está ganhando a guerra - são mais fortes e mais lógicos do que as ridículas considerações nazistas. Agora mesmo, aqui na frente foram colocados diversos alto-falantes, diante dos alemães. São enormes e poderosas bocas que todos os dias repetem verdades que eles já devem saber de cor: que nada mais adianta, que a guerra que estão fazendo é apenas uma guerra de desespero, e que a rendição é a única solução inteligente. Tais verdades reboam pelos Apeninos, se estendem sobre vales, casamatas, "foxholes" e posições do inimigo - música inexorável que se repete diàriamente como um canto fúnebre.

"As Duas Guerras da FEB"
Joel Silveira


Propaganda de Guerra
Arquivo General Tácito Theóphilo Gaspar de Oliveira

Procuravam os alemães o efeito psicológico sobre os recém-chegados. E por isso também usavam, largamente, a granada de propaganda, que lançava, ao explodir, centenas de folhetos, nos quais estavam impressos veementes apelos à tropa brasileira para que voltasse ao Brasil, evitando os sacrifícios que fazia, no inverno inclemente que desconhecia. Em outros, zombavam os alemães da tutela que sofríamos dos americanos, alongando suas apreciações e conselhos até ofenderem as famílias dos combatentes brasileiros, que estariam sofrendo, no Brasil, inclusive atentados à sua honra e à sua dignidade, por parte dos americanos. Vários eram os modelos, alguns muito bem impressos e bem redigidos em português. Nossa Artilharia também foi dotada de alguns projéteis de propaganda, de origem americana, com os boletins redigidos em alemão. A tônica desses panfletos era o conselho reiterado, e bem explicado, aos soldados alemães, para que pressionassem seus Chefes a darem por encerrada a campanha, pois a derrota era fatal e inevitável e o desmoronamento estava iminente. Esses e outros artifícios, empregados para atingir psiquicamente os combatentes, não recomendavam o lado moral da guerra. O que se sentia era o afã de chegar, de qualquer modo e o mais rapidamente possível, à vitória, mesmo, que isso custasse a degradação, a mentira, a desmoralização, a traição e a chacina de populações absolutamente inocentes, como foi o caso de Nagazaki e Hiroshima, onde foram massacradas 400 mil pessoas, velhos, mulheres e crianças, que não participavam diretamente da guerra.

"A Verdade sobre a FEB"
Mal. Floriano de Lima Brayner


Propaganda de Guerra
Imagem do livro
"Rádio Auriverde" - Sylvio Back

OUVE LÁ! OH ZÉ! DEIXA-ME DIZER-TE UMA COISA. ESCUTA!

O que me deram foi a minha demissão e um par de muletas. Agora faço parte do exército dos inválidos da guerra, que aumenta continuamente. Não sirvo para nada. Já não posso exercer a minha profissão nos caminhos de ferro. Talvez consiga uma autorização para vender amendoim torrado. O negócio não rende muito, mas com a pequena pensão que se recebe, não se pode sustentar uma família. Por essa razão, digo-te o seguinte: cada gota de sangue brasileiro, vertida na Europa, é em vão! não temos nada que meter o nariz nas questões da banda de lá. Eles que se arranjem lá como quiseram com as suas excomungadas guerras. Tem cautela amigo e faz por regressar a casa são e salvo...
Se puderes.

Propaganda nazi-fascista em panfleto
"Caçando Espiões" - Geraldo Batista de Araújo


Propaganda de Guerra
Imagem do livro
"Rádio Auriverde" - Sylvio Back

SALVO-CONDUTO

Passierchein - Salva-conduto - Salvo-conduto
Inhaber dieses passiercheines bat den kampf eingestellt und ist schne stens ans der gefabreuzone zu enfernen.
II possessore di questo Salva-Condotto ha cessato di combattere e deve essere allontanato rapidamente dalla zona di piricolo.
O portador deste salvo-conduto cessou a luta e deve ser afastado o mais ràpidamente possível da zona de perigo.

Cópia de um salvo-conduto expedido pelos alemães para 
os soldados brasileiros que desejassem desertar.
"Caçando Espiões" - Geraldo Batista de Araújo


Cel. Álvaro Alves dos Santos, Chefe do Serviço de Contra-Espionagem Brasileira na Itália.
Foto escaneada do livro "Caçando Espiões" - Geraldo Batista de Araújo

 

AS DESERÇÕES

Deserções são ausências injustificadas por mais de sete dias. Na paz, ausência do quartel, de suas atividades normais. Na guerra pode assumir aspectos variados, embora o prazo de ausência seja o mesmo. Pode ser fuga da linha de frente para se entregar ao inimigo, seja para passar o resto da guerra como prisioneiro, em campo de concentração, ou mesmo bandear-se para o inimigo e passar a lutar contra seu próprio país. Que eu saiba, houve um único caso de soldado brasileiro, filho de alemães, do Sul do país, que desertou, apresentando-se nas linhas alemãs. Segundo seus companheiros de campo de concentração, sua idéia inicial seria lutar a favor da Alemanha. Ou os alemães não aceitaram sua colaboração ou, o que é mais provável, ele haja desistido de combater, achando mais conveniente ser apenas um prisioneiro aguardando o fim da guerra. Julgo assim porque os alemães incluíram em seus exércitos homens de todas as nacionalidades, inclusive russos. Grande quantidade de russos. Um dia aprisionamos, com outros alemães, um rapazinho russo, de seus 15 anos, com uma grande cicatriz no pescoço. Ferido em Stalingrado, cuidado pelos alemães, evacuado para um hospital, curou-se, foi incorporado ao exército alemão e mandado para a Itália, a combater os brasileiros. O Tenente Varolli, único oficial brasileiro aprisionado pelos alemães, quando recuperado após a guerra e de novo incorporado a seu Regimento, o Onze, contou-me a história do nosso desertor, que fora o único brasileiro aprisionado após desertar, num total de trinta e cinco. Todos os outros foram aprisionados combatendo. Note-se que aprisionamos mais de vinte mil alemães, dentre oficiais e soldados. Resgatados do campo de concentração, nossos prisioneiros foram encaminhados a Paris. Sabedores da deserção do companheiro, passaram a dizer-lhe que ele seria fuzilado, se voltasse em companhia deles. Assustado. ele sumiu do mapa, desapareceu, desertou uma segunda vez. Por pouco tempo. Um ano depois nossos constituintes, "patrioticamente", anistiaram todos os criminosos da FEB. De vez em quando aparece em nossa sede, em Belo Horizonte, um companheiro que esteve aprisionado na Alemanha. Queixa-se do tratamento recebido. Entretanto, o Tenente Varolli contou-me haver sido tratado cavalheirescamente. Oficiais da Força Aérea alemã, já sem aviões para pilotar, tomavam conta de seu campo. Eram homens distintos. Tratavam bem os prisioneiros. Chegavam a confiar na palavra dos oficiais. Se algum deles dissesse que não ia fugir, permitiam que ele se ausentasse do campo e fosse passear numa cidadezinha próxima. A guerra estava acabando mesmo. Ele me contou que os alemães respeitavam religiosamente as doações da Cruz Vermelha Internacional: sabonetes, dentifrício, escovas de dente, meias, objetos diversos. Eles, que tinham falta de tudo aquilo, entregavam-nos aos prisioneiros. Depois negociavam, ofereciam pães em troca. O segundo caso de deserção real de que tomei conhecimento (soube de dois em toda a guerra), foi até curioso e pitoresco. Um soldado esperto apoderou-se do uniforme de um Tenente e caiu no mundo, isto é, na Itália. Havia muitos lugares de descanso para os oficiais aliados dispersos por várias cidades. O desertor andou perambulando pela Itália, usufruindo as regalias de oficial, até que, um dia, durante refeição, um oficial nosso estranhou a falta de educação e a ignorância daquele pretenso Tenente. Apertado, ele confessou o delito. Houve muitas deserções após terminada a guerra. Soldados bravos, valentes, estóicos, disciplinados, cansados de serem submetidos às pressões da vida em campanha, resolveram descansar por conta própria. Acenderam as "tochas", como dizíamos. Levantavam o polegar à beira das estradas e eram levados pelo mundo a fora pelos motoristas de jipes e caminhões. Passeavam de carona. Iam a Roma, a Florença, a Montecatini... Muitos excederam o prazo de sete dias. Desertaram, submetidos a IPM e encaminhados à Justiça Militar , verificou-se que muitos deles haviam recebido condecorações em combate, haviam sido feridos, eram heróis de guerra. Como condená-los por deserção após o término da guerra? Há poucos dias um pracinha que foi para a guerra no meu Pelotão, atual tesoureiro de nossa associação em Belo Horizonte, contou-me que faltou ao embarque para o Brasil e foi passear em Roma, por conta própria, para gastar suas liras. Deixei para citar por último um tipo de deserção sui generis, de que nunca ouvira falar antes, e não sei se jamais aconteceu em outros exércitos. Para mim é fato virgem, sumamente honroso para os brasileiros, para o nosso Exército e para o Brasil. É o que eu chamo de deserção às avessas. Da retaguarda para a linha de frente. Deserção sem covardia e sem traição. Paradoxalmente deserção honrosa. Acostumados há anos com suas Companhias e seus oficiais, dos quais normalmente se orgulhavam. Companhias que eram uma espécie  de família grande, acostumados com os companheiros, que eram como os irmãos, muitos soldados que adoeciam ou eram feridos e mandados aos hospitais, e posteriormente encaminhados ao Centro de Triagem, não se adaptavam mais à rigidez da disciplina da retaguarda, onde havia - "direita volver!" -"esquerda volver!" Na linha de frente havia disciplina consciente, a camaradagem fraterna entre oficiais e soldados, sargentos e cabos. As Companhias eram uma grande família. Saudosos dos irmãos fraternos, aqueles soldados fugiam, desertavam da retaguarda, abandonavam o conforto e a segurança e, pegando carona nas estradas, iam apresentar-se na linha de frente às suas Companhias de origem, para combater e morrer junto com seus irmãos d'armas. Ari Pavão, paulista, que combateu com o 1° RI, do Rio de Janeiro, associado nosso, foi um que procedeu assim. Ao chegar à sua unidade, recebeu uma punição pela indisciplina e um elogio por sua coragem e nobreza de caráter . Nunca li nada igual na literatura militar. Honra ao mérito daqueles pracinhas, que tanto souberam elevar o nome do Brasil na guerra e que tanto dignificaram nosso Exército.

"Crônicas de Guerra"
Cássio Abranches Viotti


Agente José Pessoto Sobrinho, morto em serviço de patrulhamento.
Foi considerado o melhor agente do
Serviço de Contra-Espionagem Brasileira na Itália.
Foto escaneada do livro "Caçando Espiões" - Geraldo Batista de Araújo

AS DUAS VERGONHAS

Assim como os três mosqueteiros eram quatro, as duas vergonhas, na realidade, eram três: vergonha de desertar, vergonha de se entregar prisioneiro, vergonha de baixar ao hospital. Honrosas e nobres vergonhas. Como já dediquei uma crônica às deserções. achei melhor intitular esta de "As Duas Vergonhas". Na II Grande Guerra houve exércitos que não mantiveram as tradições milenares de conquistadores e donos do mundo. As tropas italianas que combateram na África, em defesa das colônias, a Abissínia, a Eritréia, a Tripolitânia, foram sempre batidas inapelavelmente pelos ingleses. Foi preciso que os alemães acudissem a Itália, que passou a ser um peso, em vez do aliado todo poderoso proclamado por Mussolini. A Itália só atacou a França quando esta já estava de joelhos, completamente derrotada pelos alemães. Na África foi necessária a criação de uma força expedicionária alemã. o Afrika Korps, para ajudar os italianos, que estavam enganados a respeito de seu poderio. O próprio Mussolini foi enganado durante muito tempo pelos seus Generais. Conheci na Itália um belo rapaz. Fora Capitão de uma tropa especializada em desfiles. Era uma Divisão. Fora selecionada cuidadosamente. Todos altos, fortes, atléticos, de bela aparência. Quando Mussolini ia assistir a um desfile em Roma, lá estavam os super-homens, esplêndidos, muitíssimo bem treinados, impecáveis. Se Mussolini ia a Milão, a Divisão de desfiles era rapidamente deslocada para Milão e para Turim, para Nápoles, para Florença, sempre a mesma Divisão maravilhosa. Tropa de fachada, de beleza. treinada para desfiles e não para combater. Sabe-se, em relação ao Exército italiano, que seus equipamentos eram fracos, o armamento insuficiente, os tanques muito leves, imprestáveis para combater os tanques ingleses, mais pesados e mais bem armados. Diante do despreparo e da farsa, não é de admirar-se que os soldados, muitos deles individualmente bravos, se entregassem prisioneiros aos milhares. Crente de que possuía um Exército superior, Mussolini, sem consultar seu parceiro alemão, resolveu cobrir-se de glórias: atacou a Grécia. Foi um desastre! País pobre, que jamais se poderia comparar com a Itália, a Grécia tinha homens valentes e montanhas. Nestas seguraram os italianos. De novo a Alemanha teve que acudir a Itália. Ao falar de prisioneiros e daqueles que preferiram entregar-se a morrer lutando, fui irresistivelmente forçado a falar de italianos. Inteligentes, alegres, simpáticos, músicos admiráveis, artistas insuperáveis, amantes do bom vinho, trabalhadores excepcionalmente capazes, amando a vida, na II Grande Guerra os italianos preferiam entregar-se prisioneiros a morrer em combate. É praticamente impossível encontrar um italiano que, tendo participado da guerra, não tivesse acabado prisioneiro. Nossa participação na guerra foi simbólica, foi mínima, diante dos milhões de combatentes nela envolvidos. Mas é certo que a representação brasileira foi uma amostra do homem brasileiro. O caráter, a fibra, a resistência, o estoicismo do pracinha representaram, sem dúvida, qualidades do povo brasileiro. Duas destas qualidades marcantes foram, certamente, a vergonha de ser aprisionado e a vergonha de baixar ao hospital. Esta segunda pode até não ser uma qualidade, sob certo ponto de vista, pode ter sido um erro não procurar os hospitais quando necessário, mas, por outro lado, demonstra uma fibra e pundonor excepcionais. Dos comandantes ao último soldado, todos tínhamos vergonha de baixar ao hospital. É evidente que houve exceções. Houve casos de doenças forjadas e alguns, pouquíssimos, que se feriram, disparando a arma no pé. Entretanto, a maioria absoluta agüentava firme na linha de frente. Havia mesmo a frase: eu me arrebento na linha de frente, mas não baixo ao hospital. Já disse que todo aquele que baixava ao hospital era chamado de covarde. Podia ter sofrido um ferimento grave, que a gozação era sempre a mesma: fulano baixou com paura (medo). Meu comandante de Batalhão, Major Orlando Gomes Ramagem, agüentou durante bom tempo dores no ombro, agravadas pelo inverno, talvez uma bursite, que só melhorou com os banhos termais em Acqui, ao fim da guerra. O Capitão Hélio Covas Pereira, Comandante da 6ª Companhia do Onze, teve um problema sério, uma dor da qual zombava, dizendo que estava com uma doença chic, de gente rica... e não abandonou seus soldados. Soube de casos de sargentos, feridos em combate, que teimavam em permanecer à frente de seus comandados. Quando um dia um Tenente médico, sabendo-me gripado, insistiu em mandar-me ao hospital, fui taxativo com ele: "Não adianta você me baixar porque definitivamente não vou." Ele desistiu. Sinto-me constrangido de, de vez em quando, contar alguma coisa a meu respeito, mas acontece que estou contando a história da guerra que eu vivi. Estou inserido nela. É difícil omitir-me inteiramente. Faço questão de tornar públicas essas características do soldado brasileiro, porque as julgo sumamente honrosas. Definem o homem brasileiro.

"Crônicas de Guerra"
Cássio Abranches Viotti


Carteira de Identidade falsa da República Social Italiana, expedida pelo Comando Alemão
à espiã Perantoni Viana, aprisionada pelos agentes do CIC brasileiro.
Foto escaneada do livro "Caçando Espiões" - Geraldo Batista de Araújo

Foi por essa época que a artilharia nazista começou a lançar panfletos de propaganda sobre as linhas brasileiras. Num deles, por exemplo, dizia o seguinte:

"Brasileiro
- A tua maravilhosa terra é a mais rica de todo o mundo.
- Por que é que não jorra petróleo no Brasil?
Os americanos não querem.
- Por que é que não se pode vender o café?
Os americanos não deixam.
- Por que é que no Brasil não se produz mais borracha?
Os americanos não querem.
- O que os americanos querem é tomar conta do Brasil para que os seus capitalistas possam explorar as riquezas da tua terra."

E, por final, ainda diziam que nós, os brasileiros, estávamos vendidos a dólar para os americanos. Os civis Emilio Baldini e Margarida Hirshmann, considerados traidores da Pátria, eram dois brasileiros que operavam na rádio de Milão, fazendo, através de um programa intitulado Auri-verde, propaganda contra as tropas brasileiras.

"Nós Estivemos Lá"
José Dequech


Margarida Richman, espiã brasileira que fazia as transmissões em português, incitando
os soldados brasileiros a se renderem, no momento de sua prisão, após a rendição dos alemães.
Foto escaneada do livro "Eu estava lá" de Elza Cansanção.

A Rádio Clandestina

"Eu e meus companheiros percorremos uma distância enorme para encontrar uma rádio clandestina, onde uma voz feminina incitava os italianos contra os brasileiros. Era um cabaré e nos misturamos aos outros freqüentadores, fazendo contato com uma italiana, por quem ficamos sabendo que a rádio clandestina funcionava no mesmo prédio onde essa minha nova amiguinha morava. Fomos até lá, batemos na porta e, ato rápido, colocamos o fuzil no peito do homem que nos atendeu. Depois, localizamos a locutora (brasileira), o seu amante, (oficial aviador italiano), e por último um outro elemento que lá se achava. Os três foram entregues ao Quartel General em Alessandria, onde ficaram detidos, incomunicáveis".

Sgt. Antonio Maitinguer, da Cia. Policial Militar da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (DIE) - Depoimento a Mercedes Pacheco - "Odisséia e Vitória da FEB – 1ª Edição - 1981"

Um Herói nunca morre!

Simples História de um Homem Simples
As Origens
Força Expedicionária Brasileira
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