FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA |
Monsenhor Pheeney, capelão Chefe, celebrando a primeira missa na
Itália,
em Agnaro, na cratera de um extinto vulcão, em uma capela
improvisada.
Foto escaneada do livro "Eu estava lá" - Elza Cansanção
BONDADE E RELIGIOSIDADE DOS SOLDADOS BRASILEIROS
A metralhadora alemã quando atirava, tinha-se a impressão nítida de um pano que se visse rasgado ao meio, num "rás, rás" medonho e impressionante. O brasileiro, que tem sempre uma pilhéria, seja em que situação for, "batizou" logo a arma alemã: é a "Lourdinha", dissera um soldado nosso, mineiro de fisionomia tranqüila e valente como dois alemães reunidos. E explicou ele aos companheiros: "é que me faz lembrar a minha noiva, a minha querida Lourdinha, que é costureira lá em Minas"... E a metralhadora alemã, desse dia em diante, ficou sendo chamada a "rasga-pano" ou "Lourdinha"; e esta, agora, atirava cada vez mais próximo de nós e o seu eco chegava até as encostas das elevações, perdendo-se pelas baixadas da região de Silla e Porreta. Imperava, nos intervalos do tiroteio, todavia, um silêncio absoluto; não se notava nem mesmo o barulho do mato, agitado pelo vento que soprava frio. Como é triste o panorama de guerra à noite! Valendo-se de escuridão, milhares de homens, expostos à intempérie, armados com os engenhos mais aperfeiçoados de destruição, se lançam em campo, prontos para matar ou morrer numa barbárie inexplicável, enquanto na retaguarda, esposa, filhos, pais queridos e irmãos, rezam e pedem a Deus pelos seus entes inesquecíveis que lutam pela Pátria. No Brasil rezavam, imploravam a Deus e choravam, era o que nos diziam as cartas vindas de nossas famílias. Não duvidávamos, também, de que na Alemanha, esposas, pais, filhos e irmãos chorassem e suplicassem de joelhos, para que tivesse fim a guerra de Hitler. Nem todo alemão estava na linha de frente empenhando a vida numa luta de coração. Muitos foram lançados para os combates contra a sua vontade, clamando e amaldiçoando o "Füehrer" .Quanto jovem forte, cheio de saúde, entre seus 19 e 20 anos, nós encontramos acabando de expirar, gritando "mama, mama"! No seu último pensamento de filho, a morrer pela Pátria, no verdor dos anos, nem o nome sagrado, que primeiro aprenderam a balbuciar na infância, podiam pronunciar no idioma pátrio, pois que não seriam entendidos! A guerra tem dessas coisas... "De São João
Del Rei ao Vale do Pó" |
A Procissão em Pisa O soldado brasileiro componente da Força Expedicionária, que combateu na Itália na 2ª Grande Guerra, caracterizou-se não só pela sua coragem, pelo seu estoicismo, pela excepcional capacidade de adaptação ao clima hostil, pela bondade, como, também, de forma expressiva, pelo espírito religioso. Carregou para a guerra sua fé, suas medalhinhas, seus santinhos, seus terços. Achava hora para rezar suas orações. Sargentos sérios, religiosos, puxavam o terço, que muitos traziam de encontro ao corpo, especialmente no pescoço, à guisa de colar. Antes dos ataques e patrulhas, verdadeiros passeios em direção à morte, era comum rezarem em conjunto. Oficiais se irmanavam a seus soldados nas orações. Comungavam durante as missas, entoavam hinos religiosos. Eram amigos dos capelães. O serviço religioso distribuíra um hinário à tropa. Mal desembarcado o 2° Escalão, eram cerca de 10 000 homens, foi realizada em Pisa uma procissão belíssima. Os soldados transportavam uma imagem de N. Sra. Aparecida, cheios de unção, cantando cânticos aprendidos na infância em suas paróquias do interior. Os italianos assistiram, extasiados, àquele desfile triunfal de soldados desarmados, cujo troféu era a imagem daquela Virgem Negra do Brasil. Nunca, jamais, a península italiana, há milênios invadida por tropas africanas, bárbaras, napoleônicas, germânicas, assistira a um desfile como aquele, em que oficiais e soldados, irmanados pela mesma fé católica, davam um exemplo magnífico de religiosidade. Com os remanescentes do 1° Escalão, que constituíam a retaguarda, foram mais de 10 000 homens naquele desfile apoteótico sui generis. Mal terminada a guerra, uma das primeiras e expressivas solenidades realizadas foi a missa da vitória, rezada em Alessandria, cuja catedral ficou repleta. Nos acampamentos era hábito a missa dominical, sempre muito concorrida. Um dos fatos mais marcantes acerca da religiosidade do soldado brasileiro, foi contada por um pároco do interior da Itália. Abordado um dia por um grupo de soldados brasileiros, temeu por um instante uma desfeita ou uma agressão. Qual não foi sua surpresa e seu espanto, quando, amistosamente, com simplicidade, ingenuidade e respeito, saudaram-no efusivamente, solicitando-lhe um santinho, velho hábito de nossas crianças, no interior do Brasil, naquele tempo. Emocionado, deu-lhes uma bênção. Os alemães diziam que o brasileiro era o melhor soldado do mundo, pelo seu heroísmo ou por sua loucura. Aquele pároco do interior da Itália proclamava os brasileiros os melhores soldados do mundo por sua fé, sua religiosidade, sua bondade. "Crônicas de
Guerra" |
Missa tendo um jeep como altar.
Arquivo Gen. Tácito
Theóphilo Gaspar de Oliveira
Uma Hora
Santa "O 11º RI na
2ª Guerra Mundial" |
Capela montada em Staffoli.
Foto escaneada do livro "Eu estava
lá" - Elza Cansanção
No meio da campanha, a distinção entre católicos e protestantes deixou de ser importante, o apoio espiritual era dado indistintamente. No Regimento Sampaio, por exemplo, cuja maioria era composta de católicos, poucos integrantes gozavam de tanta popularidade e admiração quanto o Reverendo João Filson Soren, pastor protestante, num gesto que ficou marcado entre os soldados, pelo risco enfrentado, quando ele chefiou os trabalhos de retirada dos corpos dos combatentes mortos em lutas anteriores nos arredores de Monte Castello. O grupo de religiosos deu sua contribuição de sangue: o padre franciscano Antonio Álvares da Silva, conhecido como Frei Orlando, figura popular e muito querida, morreu com um tiro acidental no dia 20 de fevereiro de 1944, na véspera do ataque ao Monte Castello, quando se deslocava para prestar assistência a uma das companhias de um batalhão em posição de combate. Esse triste acontecimento é relatado no livro do Coronel M. T. Castelo Branco. A figura de Frei Orlando era conhecida além da unidade onde prestava assistência religiosa. Era capelão do 2º/11º RI, e boa parte da tropa da FEB já tinha ouvido falar naquela figura simples, nascida num pequeno lugarejo de Minas. Sua vida mereceu um livro intitulado Frei Orlando, o capelão que não voltou. Hoje ele é patrono do Serviço de Assistência Religiosa das Forças Armadas. A atuação dos membros do serviço religioso não passou despercebida pelos oficiais comandantes nem pelos soldados, que viam com freqüência o capelão dando conforto e apoio espiritual à tropa, em meio ao duro combate. Quem combateu na FEB certamente se deparou com a cena de um soldado ferido à beira da estrada ou em qualquer outro lugar, e ao seu lado, ajoelhado, dando apoio e socorro, aquele homem fardado cuja insígnia era uma pequena cruz branca. "A FEB por um
Soldado" |
A capela de
Staffoli na atualidade
Foto do site www.exercito.gov.br
Todos
podem imaginar a rotina, a dura rotina de uma enfermeira num hospital
próximo da linha de frente. Rotina feita de sacrifícios ignorados, de
esforços insuspeitados, de presença de espírito e principalmente de muito
amor à humanidade... O 38º era todo de tendas de lona, inclusive
salas de operações, a única parte assoalhada. As enfermarias
eram compridas barracas, repartidas ao meio pela sala da enfermeira e
pelo pequenino compartimento da cama da morte. Era constrangedor
transportar para lá um companheiro desenganado! Quando se perdiam as
esperanças e a fim de evitar a amarga presença da morte aos outros
pacientes, o doente era conduzido àquele recanto sinistro. Um silêncio
esmagador caía, então, sobre a enfermaria, habitualmente tão tagarela e
tão animada! Havia, ainda, no Hospital o costume de toque de silêncio
após a morte dos soldados. Mas era de tal forma devastador o efeito das
notas tristes do clarim em nosso espírito que logo foi abolido pelo
Comando Americano do Hospital. Há episódios curiosos nesse contacto de
mentalidade com as americanas. Por exemplo, o choque provocado em nós,
pelo hábito norte-americano de ter as instalações sanitárias e chuveiros
em comum, para todas as enfermeiras. Quanto às instalações sanitárias, não
seria tanto, porque sempre era possível contornar; mas, quanto aos
chuveiros, era impossível. Uma colega nossa, profundamente religiosa,
filha de Maria, não se conformava, conservando sempre, durante o banho que
era em comum e na mesma hora, uma peça de roupa. As americanas,
intrigadas, comentavam o fato, até que um dia, a Enfermeira-Chefe entrou a
indagar se a moça não estava escondendo alguma doença. A pobre não teve
outra alternativa senão concordar... Do nosso contacto com a tropa
brasileira, fora das tendas de feridos, guardamos algumas recordações
amáveis. Por exemplo, a lembrança de nos convidarem algumas vezes para ir
visitá-Ios, gentis convites para festas e jantares onde dividíamos a
alegria de rever a nossa gente, comermos da cozinha deles, e bater um bom
papo em nossa saudosa língua portuguesa, alegria creio que era muito dos
pracinhas de ouvirem a nossa língua falada por mulheres. Em contraste,
quando estávamos ainda em Santa Luce, aparecia de vez em quando um ou
outro oficial brasileiro, a título de visitar o hospital ou procurar
conhecidos, porém talvez mais animados de outras intenções. Uma noite,
estávamos de serviço na enfermaria, eu e outra colega conhecida por seus
excepcionais dotes de beleza. Para surpresa nossa, diante da hora
absolutamente avançada para visitas, apareceram dois Majores,
Major J.U.P.C., filho de importantíssima personagem nacional
acompanhado pelo Major M. Passam pela enfermaria, cumprimentam-nos e pedem
para falar ao Oficial Médico de serviço. Pouco depois, vimos nosso oficial
despedir, zangadíssimo, tão ilustres personagens. É que eles tinham pedido
ao Oficial Médico para "ajeitar" para eles as duas enfermeiras de serviço
que, na opinião deles, não seriam de todo más. Hospitais de Pisa e
Pistóia: combatentes de Camaiore, do Vale do Serchio, dos ataques
frustrados ao Castello, das vitórias de Castelnuovo, Montese, Zocca! Era a
fila interminável de ambulâncias em comboio, trazendo a sua carga de
sofrimento. Era o sofrimento no que ele tinha de mais doloroso ao coração.
Sofria-se vendo nossos rapazes estraçalhados, morrendo numa caridosa
indiferença, proporcionada pelos grãos de morfina do "primeiro socorro".
Creio nunca ter rezado com mais sinceridade e fervor: "Senhor! Fazei que
se acabe esta guerra. Poupai-nos desse sofrimento sem par!" Uma tarde,
indo ao Clube dos soldados em tratamento, encontrei-os,
excitadíssimos, ouvindo mensagens das famílias do Brasil, retransmitidas
pela rádio Tupi. De repente a angústia se apossou dos nossos corações ao
se anunciar a voz clara e ansiosa de uma pobre mãe, chamando pelo nome do
seu filho, desejando-lhe saúde e breve regresso: exatamente aquele filho,
naquele mesmo dia, jazia inerte no necrotério, vítima de uma bala inimiga.
Foi um choque tão grande que não precisou de comentários. Um a um, os
soldadinhos foram se retirando para suas enfermarias, deitaram-se,
cobriram as cabeças e ninguém mais disse palavra naquela tarde. Foi no 16º
que assisti a uma das cenas mais fortes que me foi dado ver em toda a
guerra. Num encontro de patrulhas, um pracinha do 6º RI foi ferido e o
estilhaço, atingindo-o no braço esquerdo, inutilizou-o para sempre. Pouco
depois, em novo encontro, os remanescentes da patrulha alemã eram feitos
prisioneiros e, com eles, um ferido grave, um rapaz de 18 anos. Atingido
em cheio, perdera os dois antebraços e a gangrena progressiva obrigara à
amputação de ambos os braços. Era doloroso ver o pobre rapaz,
devorado pela febre, agitando dolorosamente aqueles cotos sangrentos. Por
coincidência fora colocado na mesma enfermaria do nosso pracinha ferido no
primeiro encontro e logo identificado, por este, como "o tedesco que me
acertou". Por isso dizia: "ele me paga que eu tiro a desforra, lá isso eu
tiro", é o que ele vivia a dizer. Na noite seguinte, estava eu de plantão
na sala de operações e, pela madrugada, aproveitando uma folga dei um pulo
até à enfermaria para ver um doente grave. Ao entrar, percebi logo um
vulto curvado sobre o pobre alemão tão gravemente ferido; pensei, com um
choque no coração, no pracinha e nas ameaças que sempre fazia.
Aproximei-me cautelosamente, sem ser pressentida e o que me
estarreceu ? Curvado sobre o alemão, os olhos cheios de lágrimas, o nosso
pracinha, um mulato, dizia: "Fume, seu desgraçado! Fume o cigarro com
gosto; brasileiro é bão e tem dó de quem está padecendo." E colocava,
piedosamente, o cigarro nos lábios escaldantes de febre do alemão ferido.
O pobre exauria com sofreguidão as baforadas frescas de fumaça e sorria
feliz. Outro quadro doloroso de sofrimento: o das criancinhas
feridas, vítimas indefesas das minas e dos bombardeios! Com que mágoa
infinita se via a amputação de uma perna pequenina ou de um pezinho
minúsculo: eram espetáculos que nos faziam odiar a guerra. De Pisa a
Pistóia, onde ficamos todo o inverno. Daí para o Vale do Pó, na ofensiva
da primavera: quantos acontecimentos, quantas sensações de descoberta que
não cabe descrever aqui! |
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