FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA

 


Mascarenhas de Moraes condecora o Gen. Cordeiro de Farias, em Alessandria
Foto escaneada do livro "Mascarenhas de Moraes - Memórias" - II Volume

A VITÓRIA

Comemorações e Homenagem

Em regozijo à retumbante vitória das forças aliadas na Itália, registraram-se várias solenidades, muitas de cunho cívico, algumas de caráter militar e ainda outras de feição religiosa. No âmbito do V Exército, coube ao seu próprio Cmt. Gen. Lucian Truscott, tomar a iniciativa reunindo, num almoço íntimo, os generais comandantes de CEx e Divisões, que serviram sob as suas ordens durante o transcurso da campanha. A cerimônia realizou-se no dia 4 de maio, no próprio QG do V Exército, situado em Verona, tendo transcorrido num ambiente de muito entusiasmo e perfeita cordialidade, destacando-se entre os presentes. pela sua simplicidade e cavalheirismo, a simpática e imponente figura do Gen. Mark Clark. Em palestra com os seus pares, o Gen. Truscott não regateou aplausos à valiosa contribuição por eles prestada ao seu Exército durante toda a campanha ao longo da península italiana. Dirigindo-se ao Gen. Mascarenhas de Morais, disse-lhe que "estava muito orgulhoso da tropa brasileira e que sempre tivera confiança em seu comando". Ao fim da festa, assim se expressou para traduzir os motivos dessa última reunião manifestando, de público, os agradecimentos do seu comando: " A minha deliberação de reuni-los aqui teve como finalidade agradecer, da maneira mais calorosa, a esplêndida colaboração e contribuição das tropas norte-americanas, brasileiras, sul-africanas e inglesas em nossa vitória final". Realmente, todas elas haviam dado o melhor dos seus esforços, no sentido de levar avante as missões que lhes haviam sido confiadas, devendo-se destacar, entre elas, as brasileiras e sul-africanas, não propriamente pelo muito que fizeram, mas pelas dificuldades que encontraram. Idêntica solenidade, conhecida pelo título de "Almoço da Vitória", realizou a 1ª DIE, em Alessandria. A mesa, sentaram-se os generais Mascarenhas de Moraes, Zenóbio da Costa e Oswaldo Cordeiro de Farias, oficiais dos EM da 1ª DIE, ID e AD, comandantes de unidades, chefes de serviços, oficiais superiores, ajudantes de ordem, além do Ten. Cel. George Adair, representante do Cmt do 4º CEx e do Cap. Neal, assistente do Governo Militar Aliado junto a esta unidade. Encerrando a cerimônia, o Gen. Mascarenhas usou da palavra, congratulando-se com os presentes pelas imperecíveis glórias conquistadas, lado a lado com as forças aliadas, erguendo a seguir, a sua taça, brindando o Brasil, sob os acordes do Hino Nacional Brasileiro entoado, de pé, pelos convidados. Ainda em Alessandria, celebrou-se missa solene na catedral de Madona della Salve, por alma dos mortos, à qual compareceram os generais Mascarenhas, Zenóbio, Cordeiro e Falconiere, oficiais do QG, comandantes de unidades, grande número de oficiais e uma representação de praças. A cerimônia, tocante e comovedora, grandiosa e sublime, pela sua própria sensibilidade, propósitos e evocações, despertou os mais profundos sentimentos e as mais caras recordações. No terço anterior da nave erigiu-se uma sepultura de terra batida, ornada com oito círios, tendo à cabeceira uma cruz branca na qual se colocou uma placa de identificação semelhante a que os combatentes traziam no peito, com a inscrição "Soldado do Brasil". Ao pé da cruz, repousava uma rica coroa de flores naturais com os seguintes dizeres: "Aos gloriosos mortos do Brasil, a admiração e o respeito da Força Expedicionária Brasileira". Sobre a tumba via-se, ainda, uma palma de flores com as cores da bandeira do Brasil, depositada pelo Gen. Mascarenhas. O ofício religioso constou de missa cantada, celebrada pelo Capelão-Chefe da FEB, padre João Pheeney da Silva, auxiliado pelo Capelão Don Francisco Leite e Padre Inocêncio Santos, tendo ao púlpito o Frei Alfredo Setaro, Capelão do 3º/11º RI. Por ocasião da elevação da hóstia todos, emocionados, cantaram o Hino Nacional Brasileiro, executado pela Banda de Música da 1ª DIE. Após a missa, fêz-se ouvir o canto sacro do "Libera-me", ao fim do qual era visível e inaplacável a emoção que cada um trazia no peito. Encerrando esta série de comemorações, realizaram-se duas memoráveis paradas, uma em Alessandria, pelo 11º RI, outra em Piacenza, pelo 1º RI, que muito impressionaram as populações locais pelo garbo e pela ordem com que se apresentaram em público. Jamais sentimos tanto orgulho, tanto entusiasmo, tantas emoções, quanto neste dia ardente e inesquecível para todos nós brasileiros. Enquanto as bandas marcavam a cadência, vibrante e firme como nunca, nossos corações inflavam de alegria, enquanto pela memória desfilavam cenas relembrando a epopéia de tão poucos, em tão curto espaço de tempo, para surpresa dos que não acreditavam nas nossas possibilidades.

"O Brasil na II Grande Guerra"
Ten. Cel. Manoel Thomaz Castello Branco


Capitão Tácito Theóphilo, Comandante da Cia. do Quartel General,
 primeiro à direita da foto, condecorado em Alessandria - 19/05/1945
Arquivo Gen. Tácito Theóphilo Gaspar de Oliveira

Fantasia Brasileira

Num ambiente inédito, cercado pelo conforto do exército americano, que até chegou para ele, o soldado brasileiro esqueceu-se dos seus tempos do Exército no Brasil e da realidade brasileira e fez uma ótima apresentação das nossas fantasias. Acentuaram-se os traços de bondade e solidariedade de nossa gente, dos nossos soldados, capazes de gastar até os últimos centavos, as economias do mês só para oferecê-las em lauto almoço a um amigo ou parente recém-chegado. Os italianos que viviam, mesmo assim, num regime de carências em comparação ao período anterior à guerra, estavam acostumados à campanha de descrédito que os nazi-fascistas fizeram contra os aliados e ainda às requisições de gêneros alimentícios que aqueles faziam constantemente, exigindo sempre mais trigo, mais provisões dos camponeses. Os próprios alemães, embora bem equipados, tomavam-lhes os bois, os cavalos, os gêneros, as bicicletas, etc. Era de esperar, pois, que se espantassem da massa de material e provisões que nós brasileiros arrastávamos com o 5º Exército Americano. Caminhões e caminhões, jeeps, rádios transmissores, equipamentos e petrechos de todos os gêneros. O meu pelotão fora transportado do Vale do Pó, por três caminhões, cada um dos quais, possuía, rodando, dez pneumáticos... E aquela profusão de alimentos? Açúcar, café, sabão, carnes, conservas, doces, chocolates que eles há muito não viam, senão em doses medicinais e a preços astronômicos... E aquelas botinas? Galochões para neve? Aqueles blusões? Mas, quanta gasolina queimando naquelas viaturas nos três fogões e fogareiros de cada companhia, como água! Quanta borracha! Tudo aquilo era um sonho... Observei a satisfação dos nossos pracinhas vitoriosos, ao exibirem tudo aquilo como se fosse realmente nosso. Cantaram as riquezas do Brasil. Os nossos rios, florestas, a nossa vastidão geográfica, do tamanho da Europa. Nós tínhamos muito açúcar, muita borracha, muita carne. "Si, in Brasile nè manca niente! C'è tuti, tuti! Molte zucchero, molte mangiare, molte gome, tuti, tuti!" Os italianos não podiam conter a admiração e exclamavam: "Per Bacco!" E os nossos pracinhas, num gesto, ao acenderem um cigarro Chesterfield, Camel ou Lucky Strike, ofereciam-no ao italiano, que logo o tomava, examinava, cheirava e às vezes o guardava para depois da ceia. "Si, doppo Ia cena .." E amaldiçoava a guerra, Mussolini e os alemães, pois antes da guerra, não era assim: "Prima Ia guerra..." E enquanto os italianos assistiam com espanto todo aquele aparato de material, os soldados presenteavam as crianças com caramelos e chocolates (carameli per bambini). Os pracinhas e não só eles, porém muito tenente, muito capitão, etc., estavam penalizados com a pobreza, a miséria da Itália. Muitos julgavam-nos até um povo atrasado. Quis chamá-los à realidade, mas já se haviam esquecido do nosso Brasil ou tinham em mente as avenidas asfaltadas das capitais debruçadas no Atlântico... Aos meus soldados nada disse, porém. Escutava aquele entusiasmo patriótico, como demonstração do moral elevado da tropa. Mas fiquei embaraçado, quando certa vez, um italiano instruído e curioso me perguntou: "Senhor Tenente, quantas fábricas de automóvel existem no Brasil?" Respondi-lhe que não estava a par deste assunto e mudei de conversa. Uma verdade terrível empolgou-me a mente: nós não fabricamos nem bicicletas... E achei graça quando, um soldado que havia observado o trabalho das mulheres no campo, comentou: "Aqui, seu Tenente, as fêmea não tem vez. O Senhor não viu? Até as vacas puxam o carro!" A Itália era como uma grande fazenda organizada, com enormes benfeitorias e oficinas erguidas por inúmeras gerações através dos séculos. Com os seus apartamentos bem arranjados e cheios de obras de arte. Seus campos cultivados, etc. De repente, um rio cresceu e inundou tudo. Os homens não puderam trabalhar. Algumas máquinas foram arrastadas pela correnteza. Alguns móveis, também. A lama chegou até a encher alguns apartamentos. Mas quando as águas baixarem, os homens voltarão ao trabalho e saberão o que têm a fazer. Máquinas e tornos matrizes fabricarão peças e máquinas destruídas. Faltará açúcar, chocolate e provisões por algum tempo. Depois, as coisas surgirão. O mesmo será na Holanda, na Bélgica e na própria Alemanha destruída. E é muito mais fácil fazer isto, muitas vezes mais, em menos tempo do que nascerem homens, criarem-se, crescerem, educarem-se, reproduzirem-se, em número suficiente à conquista deste nosso Brasil imenso, disperso, empírico, sem comunicações, até que ele seja um grande país, uma grande e próspera nação. A Itália já produziu um "Netunia", um "Oceania", seus automóveis e máquinas. Dentro em breve fabricá-los-á outra vez, antes que façamos bicicletas. Um dia produziremos tudo isto e muito mais, desde que sejamos mais práticos, mais objetivos, menos teóricos, menos burocráticos.

"Depoimento de Oficiais de Reserva sobre a FEB"


Mascarenhas de Morais condecora, em Alessandria, os Coronéis da FEB: Ribas Júnior,
Lima Brayner, Caiado de Castro, Delmiro de Andrade, Machado Lopes e Moraes Âncora.
Foto escaneada do livro "A Verdade sobre a FEB" de Floriano de Lima Brayner

Finda a Guerra

A Força Expedicionária Brasileira (FEB) apesar das dificuldades encontradas durante a sua organização, treinamento e aclimatação ao teatro de operações europeu, contribuiu, de modo significativo, para o triunfo da causa aliada. Em 21/02/1945, a FEB tomou Monte Castelo, posição fortemente organizada e inexpugnável, defendida por um adversário adestrado e mais experiente que, já repelira com êxito, três ataques anteriores dos aliados. Os soldados brasileiros foram vitoriosos nas batalhas em Monte Castelo, Monte Prano, Montese, Castelnuovo, Zocca, Fornovo, Collechio e Camaiore. Em 06/06/1945, com a vitória final na Europa, após a capitulação total das tropas nazistas, o Ministério da Guerra ordenou que as unidades da FEB se subordinassem ao comandante da Primeira Região Militar (1ª RM), sediada na cidade do Rio de Janeiro, dissolvendo o contingente. Os brasileiros perderam na campanha, 430 praças e 13 oficiais, além de 8 oficiais da Força Aérea Brasileira. Posteriormente, as cinzas dos heróis mortos no conflito foram transladadas de Pistóia para o Brasil e, hoje, repousam no Monumento aos Mortos, erguido no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro. A participação da FEB na Segunda Guerra Mundial desempenhou papel importante na democratização do Brasil. A luta contra o fascismo europeu iniciou o combate ao Estado Novo. Uma sociedade que lutara na Itália pela liberdade e pela democracia, não poderia permitir que, em sua pátria, uma ditadura prosseguisse. Em 28/02/1945, a Constituição de 1937 recebeu um ato adicional, fixando as eleições presidenciais. Surgiram duas candidaturas: a do Brigadeiro Eduardo Gomes, oposta a Vargas e a do General Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra, apoiado pelo governo. Criaram-se três partidos políticos, a UDN (União Democrática Nacional) de tendências anti-Vargas, o PSD (Partido Social Democrático) e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). A oposição temendo que Getúlio proibisse a realização das eleições presidenciais, conspirava para sua deposição, o que aconteceu em 29/10/1945. Tropas do Exército cercaram o Catete e forçaram a renúncia de Getúlio Vargas. A presidência foi ocupada pelo cearense José Linhares, então presidente do Supremo Tribunal Federal. Vargas exilou-se em São Borja, encerrando-se a ditadura do Estado Novo. Nesse período de transição, o General Eurico Gaspar Dutra esteve em Fortaleza, hospedado com sua comitiva na residência de Antônio da Frota Gentil, dirigente local do PSD. O General Dutra foi eleito presidente da República, com o apoio da coligação PSD-PTB, derrotando Eduardo Gomes. Eurico Gaspar Dutra assumiu a direção da nação em 31/01/1946.

"Ideal Clube - História de uma Sociedade"
Vanius Meton Gadelha Vieira


Banquete da Vitória, realizado em 13 de maio de 1945, na cidade de Alessandria. Presentes os Generais
Mascarenhas de Morais, Cordeiro de Farias e Zenóbio da Costa, além de todos os comandantes de unidades.
Foto escaneada do livro "Eu estava lá! - Elza Cansanção de Medeiros

De 19 de maio de 1945 em diante nada se fez no nosso Hospital 38º. Esperamos ordens, enquanto isso, durante o dia, suportamos o calor do sol, já que a lona das barracas pouco protegem. Apresentou-se, então, a oportunidade de andarmos por aí além, visitando cidades italianas. Primeiramente fomos a Milão, que é cidade grande, a maior do país e apresenta aspecto mais modernizado. Detivemo-nos durante quatro horas e visitamos dois lugares de atração: o Teatro Scala e a praça onde penduraram o corpo de Mussolini. É uma praça pequena, triangular e de muito movimento; ainda na viga em que foram dependurados está escrito o nome de cada um - Mussolini, Petacci etc. Como a sorte é vária no seu capricho. Ali esteve de cabeça para baixo o corpo do homem que dominou a Itália e ameaçou o mundo; a boca que fez tremer tantos corações aflitos e inflamar tantas almas entusiásticas, estava agora servindo de pasto às moscas. O cadáver de Mussolini permaneceu exposto, sem caridade, à sanha de uma multidão covarde e assassina. Espetáculo vergonhoso e deprimente para a população peninsular. Em Veneza estivemos durante dois dias. Para lá chegar passamos por Pádua, onde fomos obrigados pelo impulso da curiosidade a visitar a célebre igreja do lusitano Santo Antônio de Pádua, o casamenteiro e, por isso talvez, dos mais populares demiurgos. Atravessamos Verona, que é mais um amontoado de escombros. Mântua, asperamente atingida pelo bombardeio aéreo, é uma desolação. Assim foi a guerra distendendo, também no Norte da Itália, o seu manto de misérias, de desgraças e de horrores. Todas essas visões aumentam o desejo de regressar à Pátria, à nossa terra modesta e pacífica. A 26 de maio começaram a série de providências administrativas que preparavam a nossa volta. Fomos afinal desligados do Hospital 38º. A notícia foi alvissareiramente recebida por todos; apenas duas equipes devem permanecer, certamente aquelas constituídas por militares efetivos. Em vista disso fomos ao QG onde devíamos agradecimentos ao nosso comandante chefe, pelos elogios que nos fizera em boletim de Ordem do dia, por causa da nossa atuação no Hospital 32º. O general com quem almoçamos reafirmou o seu intento de nos fazer voltar todos imediatamente ao Brasil. A notícia era ótima, mormente quando a vida se tornou em excesso tediosa, os dias infindáveis, que já nada temos a fazer. Estamos em Alessandria, sede do QG, resolvemos conhecer a zona dos lagos, na fronteira da Suíça. Embora fosse dia chuvoso e úmido, não nos arrependemos da longa jornada. Na cidade de Como jantamos magra "minestra" de guerra, mas nos fartamos de cereja fresca, que aí há em abundância. Todo lago do mesmo nome é emoldurado por construções,à sua beira. Está situado em profundo vale, tem 20 quilômetros de extensão e a sua parada reflete, como se fora um espelho gigantesco, o verde das montanhas em plena pujança da flora na primavera. O centro da massa líquida se mostra azul escuro, as margens esverdeadas com matizes diferentes e pontilhados de branco pela imagem das casas que se debruçam sobre as águas profundas. O panorama é muito belo e se constitui em magnífico pasto ao olhar. Ontem organizamos um comboio e partimos para o sul, de regresso. Fomos ter a Staffoli, cidade vizinha à mundialmente conhecida estação de Montecatini. O acampamento brasileiro, onde está o depósito do pessoal da FEB, encontra-se em meio de grande floresta de abetos em lugar chapado e alto. Descortina-se amplo e claro horizonte. Voltamos a morar em barracas à sombra de árvores muito altas que mitigam o calor. A 28 de maio ainda estávamos no acampamento, há portanto, três dias. São sete mil homens morando em verdadeira cidade de tendas de todos os tipos e ordenados por batalhões, companhias etc. com campos esportivos, várias pistas para treinamento. Não há repouso, a atividade é febril nos diários movimentos de educação da tropa. Para nós, médicos, tudo constitui tédio e enfado. Realmente não é aqui o nosso meio. Depois de longos meses de privações e trabalho, recebemos, como prêmio, um acampamento militar com todos os seus horrores. O bosque é tranqüilo e belo, mas a inatividade, o sem que fazer, enchem-nos de saudades, não estamos em estado de espírito para usufruir o ócio e apreciá-lo. A guerra já terminou, mas ainda sofremos os seus horrores nessa expectativa desconcertante, que nos amofina. Os dias se foram arrastando até que a 29 de maio tivemos ordem de seguir para Nápoles com escala em Livorno. Fazíamos caminho em sentido contrário ao de quase um ano, quando chegamos à Europa. Éramos 15 colegas metidos em pequeno transporte de guerra com todos os nossos badulaques. Mal nos podíamos acomodar naquele mundo de malas e embrulhos. A viagem, na sua segunda etapa de Livorno a Nápoles, foi melhor - o caminhão era maior e havia menos gente. A 1 de junho estávamos de novo em Nápoles. Hospedamo-nos no Hotel Términos que, pelo jeito, nos bons tempos, foi um grande hotel, mas hoje é apenas espectro do que fora. A alimentação, de "scatoleta", sensaborosa e pouco atrativa pelo aspecto. Nesta cidade detivemo-nos alguns dias, à espera da nossa vez de partir. Para matar o tempo resolvemos ver o Vesúvio de perto. Até o sopé do monte fomos pelo fenicular, meio destruído pelas lavas da erupção de março de 1944. Essa ainda aí estão, negras e mornas como testemunhas da catástrofe de um ano atrás. Deste ponto seguimos a pé por "santiero" que coleia o flanco do pico até o cume, onde se abre a fauce do vulcão. À medida que íamos subindo, em ascensão difícil, no terreno movediço, constituído de terra seca, esfarelada, que nos fazia escorregar a todo o momento, a paisagem se ia desdobrando. Galgamos passo a passo, resvalando, descansando, equilibrando-nos nos trechos mais difíceis, acompanhando um guia silencioso, inexpressivo e estúpido. O panorama era atraente; ao longe divisávamos a bela Baía de águas claras formando uma curva regular, ladeada à esquerda pela afamada Sorrento; à frente está a ilha de Capri, que fecha a sua entrada, no fundo desenha-se o Palácio Real. Não sei se as nossas paradas pela encosta eram por estarmos inebriados pela vista ou se a elas nos induzia a necessidade de repouso dos músculos e de descanso ao coração, solicitados pelo esforço da subida. Chegamos, afinal, ao alto; era a reborda da cratera que, no dia 1 de junho de 1891, engoliu numa das suas fendas, o fluminense Antonio da Silva Jardim, um dos maiores apóstolos da República que visitava o vulcão a fumegar bravo, impelido por invencível curiosidade científica. Trata-se de enorme buraco, com dois quilômetros de circunferência e mais de 500 metros de profundidade, de paredes internas talhadas a pique. Daí se desprende um ar afogueado, qual bafo infernal, saído das entranhas da terra. Por toda a parte essas paredes fumegam uma fumaça esbranquiçada cheirando a enxofre. A margem da abertura são de pedras porosas e terra mais ou menos firme. Percorremos longo trecho da cratera procurando ver todos os aspectos do fundo da enorme escavação. Esta é formada por terra semelhante à de fora. Isto foi uma decepção. Ao em vez de lavas ferventes e ameaçadoras, nada mais avistamos do que um amontoado de pedras maiores e menores, de aspecto metálico, repousando em pedras que se despencavam das paredes. Lá em baixo, ao longe, divisam-se os esqueletos das escavações de Pompéia e Herculano a demonstrar que o monstro, aparentemente adormecido, é realmente perigoso. Mais próximas estão as povoações de São Sebastião e de Massa, ainda o ano passado danificadas pelo vulcão, tal qual 70 anos antes de Cristo a boca enorme de Monte Soma encobria com a chuva de lama aquelas cidades, hoje, espectrais. Ainda se pode ver a gigantesca cratera de 1 quilômetro de circunferência, responsável pela histórica catástrofe. Feita a visita, descemos. Para descer a coisa foi muito mais fácil. Aqueles 1 180 metros que escalamos em uma hora e meia, descemo-lo em 15 minutos, em corrida desesperada envoltos em nuvem de terra, pedra e poeira. Detivemo-nos um pouco a apreciar larga brecha do terreno de onde saía grande língua de fogo; fato que mostrava não estar extinto o afamado e popular vulcão. Assim, para nós, quebrou-se o encanto do Vesúvio e com ele a reminiscência infantil desse fenômeno geográfico. Belo e ensolarado domingo do dia 3 de junho de 1945. Tomamos o avião às 14:30 horas em Nápoles e largamos em vôo sereno e venturoso a caminho do Brasil, da família, da vida.

"Notas de um Expedicionário Médico"
Alípio Correa Neto

 

 

Um Herói nunca morre!

Simples História de um Homem Simples
As Origens
Força Expedicionária Brasileira
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