FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA |
Manual
de sobrevivência no mar
O SOLDADO BRASILEIRO Várias vezes
tenho sido interrogado a respeito do comportamento do soldado brasileiro
nesta guerra: se ele era corajoso, qual o seu grau em comparação com os
americanos ou alemães, etc. A minha resposta, claro está, terá que ser
generalizada, deixando de aplicar-se com justeza a inúmeros casos
individuais. E essa resposta é a seguinte: o soldado brasileiro na
campanha da Itália revelou-se muito acima das minhas expectativas e, tenho
absoluta certeza de que todos ou quase todos os oficiais pensam de maneira
idêntica. Em primeiro lugar tenho que dizer, algo rudemente, que ,
constituindo o grosso do efetivo da FEB só foram aqueles que eu
denominaria de "párias", isto é, os rapazes das classes pobres, operários,
lavradores, etc. Aquilo que se chamava a "elite" do Brasil - as classes
média e alta - enviou tão poucos elementos para representá-la que se
poderia dizer ter brilhado pela ausência. A elite estudantina foi pródiga
em discursos veementemente patrióticos em agosto de 1942 mas, logo a
seguir, invadiu os CPOR do país, contando com os dois anos de curso e
conseqüente permanência certa no Brasil. Mesmo vários dos seus elementos
que foram convocados como soldados acharam jeito e meios de serem
licenciados muito em tempo. Por isso, com honrosas exceções, só
permaneceram na FEB aqueles que, por sua precária posição social, não
tiveram jeito nem meios de serem licenciados do serviço ativo ou aqueles
que, conscientes do seu dever e sua dignidade, não fizeram esforços para
serem licenciados da FEB. Desta circunstância decorrem, a meu ver, as
demais características da maioria dos soldados brasileiros que foram para
a Itália. |
Relação de
material entregue aos pracinhas
PREPARAÇÃO DOS MINEIROS DO 9º BE AINDA NO BRASIL Teríamos que partir da estaca zero. Não dispúnhamos de nada, nem sequer dos regulamentos técnicos modernos. Então começamos a intensificar a preparação física da tropa e a execução de marchas, de acordo com as instruções do Batalhão. Corríamos, em acelerado, do quartel até a ponte metálica sobre o rio Aquidauana, descendo por cordas até a água, nadando rio abaixo, protegidos por cabos flutuantes, com turmas de socorro vigiando das margens, para evitar afogamentos. Os que não sabiam nadar, desciam pelas cordas mais próximas à margem, onde a água dava pé, e iniciavam um regime intensivo de aprendizagem, com prazo marcado para descer do lado mais fundo. A volta do exercício era bem descontraída, tornando a instrução alegre e produtiva. As marchas, diurnas e noturnas, foram de até 32 quilômetros, com equipamento completo, vencendo o areal das vizinhanças. Em pouco tempo a tropa apresentava bons índices de preparo físico, que era o mínimo que se poderia desejar, naquela emergência. Os efetivos, porém, continuavam muito desfalcados, inclusive de oficiais, pois o recompletamento não se fazia como era de desejar. Em grande parte, a instrução técnica continuava à moda antiga. Continuávamos a fazer muita Organização do Terreno, construção de estradas de acesso, fazendo com que os calos estourassem nas mãos, tudo sob um terrível sol abrasador. Chegavam-nos informações sobre minas e armadilhas empregadas em massa pelo Afrika Korps e os procedimentos usados pelos ingleses, que as tinham retirado sob o fogo inimigo. Boletins de Informações começaram a fornecer elementos novos sobre colocação e retirada de minas e armadilhas. Requisitamos todas as latas vazias de goiabada do rancho, assim como tudo que pudesse parecer uma mina; as latas maiores eram consideradas anticarro e as menores, antipessoal e armadilhas. Rolos de lã, usados para fazer blusas e similares, cujos fios facilmente se rompiam, serviam de ingredientes para substituir os detonadores das minas, assim como arames, fios e uma série de quinquilharias adotadas pela imaginação de cada um. Todo fio de lã que se rompesse, ao ser retirada a suposta mina, produzia uma baixa e o autor era considerado fora de combate. Para impedir o levantamento puro e simples da "mina", eram criadas várias situações afim de dificultar a operação: latas superpostas, ligadas a fios camuflados; estacas escondidas, presas a fios etc. Tudo era feito para que se desenvolvesse o tato e a habilidade manual, condição indispensável a um bom mineiro. Logo se destacaram os mais hábeis, que raramente caíam em alguma armadilha, mas, também, aqueles que raramente escapavam das baixas em combate... Como se empregava material inerte, não havia nenhuma periculosidade e os homens se aplicavam mais por simples espírito de competição. Muitos mineiros de escol começaram sua aprendizagem plantando latas vazias de goiabada. O Batalhão não estava motorizado; usava-se uma viatura hipomóvel - uma carrocinha - para transportar aquela montanha de latas que seriam instaladas nos campos próximos ao quartel, causando espanto nos civis que passavam, por certo pensando que aquela gente não estava funcionando bem da cabeça. Cada Pelotão instalava seu campo minado, que seria retirado por outro Pelotão; os instrutores verificavam os elementos postos fora de ação pelos fios rompidos. No final da instrução, estes regressavam em um grupo separado dos "vivos", sendo fácil verificar o Pelotão que tivera melhor desempenho. Na verdade, estávamos brincando de guerra moderna, na falta de material verdadeiro para qualquer tipo de treinamento real. "Quebra
Canela" |
Rações servidas às
tropas: a K - levada para a linha de frente, a C em latas - quando se podia
fazer fogo, e a normal.
Foto escaneada do livro "Eu estava lá" - Elza
Cansanção
Assistência
Médica - Na Preparação da FEB |
Oficiais do Regimento Sampaio, a bordo do General Meigs, usando
as suas bóias "Mae West"
Foto escaneada do livro "Eu estava lá" - Elza
Cansanção
Assistência Médica - Durante a Campanha Durante a sua
permanência no front, de 15 de setembro de 1944 a 2 de maio de 1945, data
da rendição total dos alemães na Itália, uma segurança tiveram os
combatentes brasileiros: uma eficiente e competente assistência médica.
Vou prestar meu depoimento sobre essa assistência, partindo da linha de
frente para os serviços de retaguarda, seguindo o roteiro que fiz como
ferido. Espero, assim, falar sobre quase todos os aspectos do serviço
médico na FEB. A primeira possibilidade de cuidado médico estava nas mãos
do próprio combatente. Cada soldado era dotado de um pacote de curativo
individual, que se compunha de gaze esterilizada e sulfa. Assim, qualquer
ferimento ocasionado por ação do inimigo, ou acidente, podia receber os
primeiros cuidados por parte do próprio paciente ou de um companheiro,
evitando infecções perigosas. Logo a seguir era o ferido assistido. por um
enfermeiro. Cada pelotão tinha um desses soldados do serviço de saúde, que
completava a medicação de urgência, sendo dotado de uma pequena farmácia
portátil. Na grande maioria dos casos, eram esses enfermeiros competentes
e corajosos, tudo sacrificando no cumprimento de sua missão. Todos nós,
que estivemos na FEB, somos testemunhas do valor desses dedicados soldados
da saúde. Quero, aqui, lembrar o nome do soldado Domício Gomes, do Paraná,
que pertencia ao meu pelotão e que me atendeu quando fui ferido. O serviço
de imobilização de um braço ferido foi tão bem feito, que em nenhum dos
postos de saúde por que passei, antes de chegar ao hospital, foi feita
qualquer alteração. Feitos esses primeiros curativos, era o ferido
encaminhado ao Posto de Saúde do Batalhão, onde era atendido pelos médicos
do mesmo. O transporte era feito em padiolas, com as quais os valorosos
padioleiros enfrentavam bombardeios e perigos, em terreno acidentado,
levando com a maior rapidez possível o ferido ao posto de saúde, às vezes
sob um tempo inclemente. Quando as condições do terreno o permitiam, o
transporte era feito em jeeps, adaptados a essa função. Cabe, aqui, uma
palavra sobre os médicos dos corpos de tropa. Sua dedicação era extrema,
com bastante desprezo ao perigo, compartilhado inteiramente com os
infantes. Um dos primeiros feridos do nosso batalhão, ainda no período de
batismo de fogo, foi o médico. Em Montese, o posto de saúde avançado do
Batalhão foi aí instalado, em plena linha de frente, no porão de uma casa
em ruínas, dentro da aldeia intensamente bombardeada e ainda não
inteiramente consolidada. Outro médico, num dos primeiros ataques ao Monte
Castello, em novembro de 1944, sabendo do ferimento grave de um tenente,
deixou a relativa segurança do posto de saúde e, enfrentando forte
bombardeio, não titubeou em subir o morro e ir prestar sua assistência ao
ferido, na própria posição atingida pelos fogos inimigos. São três
exemplos apenas, colhidos ao acaso, e apenas no III Batalhão do 6º RI, mas
que testemunham o valor dos médicos brasileiros que serviam nas unidades
empenhadas em combate. Depois de atendido no posto de saúde do Batalhão,
onde recebia cuidados médicos mais sérios, inclusive plasma; se
necessário, era o ferido encaminhado à retaguarda, passando por uma série
de postos de saúde escalonados até atingir a triagem, onde se fazia a
separação dos casos de natureza urgente, destinados ao 32th Field e os
demais para o 16th Evacuation. Em novembro de 1944, o hospital "32,"
estava localizado nas proximidades de Porreta Terme, relativamente próximo
da frente, tendo sido mesmo atingido várias vezes por bombardeios
inimigos. Não passei pelo "32", onde pontificava o médico brasileiro
Alípio Correia Neto, admirado e respeitado pelos americanos. O 16th
Evacuation Hospital estava em Pistóia. Dada a necessidade de acompanhar o
avanço da linha de frente, era esse hospital instalado em barracas, o que
permitia o seu fácil deslocamento. Apesar disso, estava perfeitamente
aparelhado. De inicio, seguindo a experiência pessoal, o ferido ia para a
barraca do raio X, para verificação dos ferimentos. Imediatamente
reveladas, as chapas serviam de orientação nas operações cirúrgicas,
feitas em barracas perfeitamente equipadas. As enfermarias comportavam
perto de 30 feridos e, apesar das camas de campanha, ofereciam todo o
conforto. A assistência pessoal era contínua, com enfermeiras e
enfermeiros de plantão, além da visita diária de um médico. Nesse hospital
permanecia o ferido pouco tempo. Ou obtinha alta e retornava à sua
unidade, ou era encaminhado, assim que o seu estado o permitisse, a um
hospital da retaguarda. Só tenho que elogiar o pessoal brasileiro do 16th
Evacuation. Os médicos, com a sua capacidade, haviam granjeado o respeito
dos americanos, operando indistintamente feridos nossos e deles. Sua
assistência contínua aos feridos mantinha elevado o moral dos pacientes.
As enfermeiras conquistaram o nosso respeito pela dedicação de que sempre
deram mostra. Por ocasião dos ataques de 29 de novembro, quando o hospital
ficou superlotado, uma enfermeira nossa, auxiliar nas intervenções
cirúrgicas, ao visitar a enfermaria, sentou-se em uma cadeira e dormiu de
tão cansada: era o seu primeiro sono, depois de duas noites e dois dias de
trabalhos constantes e estafantes. Do 16th seguia-se para o 7th Station
Hospital, em Livorno, nos edifícios de uma antiga colônia de férias para
moças fascistas, fora do perímetro urbano e junto ao mar. Pelas paredes,
os "slogans" do fascismo e do império de Mussolini contrastavam
jocosamente com a presença dos americanos. As suas instalações eram muito
boas, tanto mais que o hospital era estável. Nele, os feridos eram
submetidos a uma segunda operação cirúrgica, que confirmava a primeira,
sendo então suturados os cortes. O hospital dispunha de cinema, cantina e
outros divertimentos como festivais, "shows" com certa freqüência. As
enfermarias eram separadas para oficiais e praças, dotadas de todo o
conforto, inclusive rádio. Nesse hospital, o serviço médico brasileiro
atendia apenas a enfermaria de praças da 1ª Divisão Expedicionária. Os
oficiais, que ocupavam a mesma enfermaria de oficiais americanos, eram
atendidos por médicos e enfermeiros dessa nacionalidade. Apenas na visita
diária, um médico brasileiro acompanhava o americano para servir de
intérprete e havia uma enfermaria de plantão com pequenas atribuições. Até
as injeções de penicilina eram atribuição do pessoal americano. Pouco
observei, portanto, do serviço médico brasileiro; mas os soldados com os
quais conversei não tinham queixas a fazer. Finalmente, depois de um mês
em Livorno, fui para o hospital de Nápoles. Ninguém ficava mais de um mês
no 7th: ou sarava, retomando à unidade de origem, ou era evacuado para os
EEUU, no caso dos mutilados, ou ia para 45th General Hospital, em Nápoles,
geralmente considerado a porta aberta para o caminho de casa.
Efetivamente, quase todos os que foram para Nápoles, regressaram ao seu
país, poucos retornando ao front. No Hospital de Nápoles, situado
juntamente com outros nos edifícios de uma antiga exposição, num subúrbio
da cidade, o setor brasileiro era pràticamente inexistente, em matéria de
serviços. As enfermeiras faziam o que era chamado de assistência social
(não sei se oficialmente) e consistia em uma visita semanal aos baixados,
preenchendo um cartão em que anotavam as necessidades dos feridos
brasileiros. Mas essa anotação não surtia nenhum efeito prático, pois não
havia material para ser fornecido e a visita se repetia com o mesmo
resultado negativo. Lembro-me de que, certa ocasião, a enfermeira
americana que cuidava de nossa enfermaria, veio perguntar onde poderia
obter um par de botinas pretas para um soldado brasileiro que, tendo
obtido permissão para fazer as refeições no refeitório, não tinha o que
calçar. A solução foi adquirir na cantina do Hospital um par de borzeguins
americanos, de cor marrom, para que o soldado pudesse sair da enfermaria.
Essas coisas não sucediam com os nossos aliados que recebiam todo o
fardamento, cartas e vencimentos a que tinham direito, com abundância,
presteza e solicitude. Nós, os brasileiros, dependíamos da boa vontade e
iniciativa individual. Também os médicos, e não eram poucos, primavam pela
ausência. Durante o mês que fiquei no 45th, recebi duas vezes a visita de
um médico brasileiro, uma das quais acompanhando o General Mascarenhas, em
inspeção a esse hospital. É dessa visita um fato típico: a uma pergunta do
General, o chefe do nosso Serviço Médico não soube responder quantos
oficiais brasileiros estavam baixados ao hospital. Éramos apenas quinze e
felizmente para nós, os americanos nos davam toda a assistência
necessária. Uma referência particular merecem, ainda, as enfermeiras
brasileiras que serviram com a FEB na Itália, vitimas da crítica e de um
injusto esquecimento. As criticas, podemos resumi-las nos seguintes
itens: |
Pracinhas embarcados
no LCI, usando as suas bóias "Mae West"
Foto
escaneada do livro "Eu estava lá" - Elza Cansanção
Um Herói nunca morre!
Simples História de um Homem
Simples
As Origens
Força Expedicionária Brasileira
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