FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA |
Carlos Scliar,
na preparação de sua exposição, em 1944,
véspera do embarque com a
FEB
Cadernos de Guerra -
1944/45
Carlos
Scliar
"Em alguns desenhos de Carlos Scliar eu revejo esse sentimento de tristeza monótona da guerra. Fértil em ligação humana, forjando dedicações que são mais e menos que humanas, que remontam ao puro instinto animal, a guerra é também uma terrível professora de solidão. No seio de seu tumulto espantoso e grosseiro o homem às vezes se vê só, abandonado a uma angústia dolorosamente fria, como o adolescente no turbilhão de remotos carnavais. Neste caderno não estão as imagens mais dolorosas nem as mais cheias de movimento da guerra que nossos homens viveram, O cabo-artilheiro Carlos Scliar não é um repórter, nem estava fazendo reportagem. Trabalhava na Central de Tiro de seu Grupo; mas às vezes largava o transferidor sobre a carta e, olhando a paisagem cinzenta pela janela de vidros baços e partidos, esquecia o controle horizontal. Comovem-me essas paisagens simples que ele rabiscava então; umas arvores em Marzolara, um ângulo de montanha de Porreta, uma casa de pedras esburacada em Gaggio Montano." Rubem Braga |
Castel di Casio -
02/12/1944
Porreta Terme -
02/02/1945
Porreta Terme -
21/12/1944
"Durante esses meses o pintor Scliar teve de largar suas
telas e tintas; mas o desenhista avançou pelo caminho da simplicidade. A
guerra ensina a esquecer as abstrações, e aborrece tudo que é sofisticado;
sua arte passou por esse filtro. Mas a nossa guerra era na Itália, e a
Itália é uma espantosa lição de beleza. Lembro-me da tristeza de um velho
poeta italiano. Ele falava da desgraça de seu povo, a gente estraçalhada
nas explosões, o número de crianças miseráveis soltas pela rua, o
crescimento assustador da tuberculose, a fome de tantos homens, a
prostituição de tantas mulheres. Falava com amargura e humilhação. Depois
disse dos tesouros de arte roubados, das obras de arte destruídas pelos
bombardeios e pela dinamite. Como tantos e tantos outros italianos, ele me
pedia noticias das cidades mais para o norte - aquela ponte! aquele
palácio! -como quem está aflito por saber de gente de sua família. Eu lhe
dizia o que por acaso tinha notado, e ele me olhava com desespero quando a
uma pergunta sobre certa pequena igreja, ou certo monumento ou
"lungharno", eu simplesmente dizia que sim, andara por aqueles lados, mas
não reparara, não sabia dizer. Expliquei-lhe que a luta quase nunca se
travava nas cidades, mas no campo, entre pequenas aldeias. Ele recordou
com emoção alguns "paese" toscanos, e depois casas e árvores do
campo: Rubem Braga |
Francolise -
05/07/1945
Gaggio Montano -
04/04/1945
"Dentro de sua vida que ora beirava a morte, ora mortificava de pequenos deveres e restrições, ora tinha o sabor violento de uma aventura, ora transfigurava seu destino humilde em instantes de poderio e fortuna, ora o reduzia a simples número de um pobre rebanho maltratado, eu vi mais de uma vez o pracinha triste. Então a saudade o agarrava com as unhas fundas; e era às vezes menos saudade da terra e da gente que de um ritmo perdido, embora um ritmo chato. Mas soava uma hora, nessa infindável compartimentação de horas que toma a vida militar tão mais desesperadoramente estreita que a civil; era a hora de fazer alguma coisa, e ele ia fazer. E retomava seu novo ritmo. Forte coisa é a guerra, cuja rotina, em meio a todas as misérias, embala o homem." Rubem Braga |
Gaggio
Montano - 02/04/1945
Gaggio Montano -
16/03/1945
Castel di
Casio - 05/12/1944
"Nesta cara de velha reconheço uma daquelas fortes camponesas que via, apreensiva, sua casa sofrer a invasão dos homens de farda, com suas botas grosseiras, sua língua estranha e os fardos e caixotes inumeráveis de sua bagagem de guerra. Distribuiam-se os aposentos, instalavam-se os telefones, abriam-se mesas de campanha entre grossos armários seculares, e os pracinhas iam espiar suas caras sujas e escuras no cristal de altos espelhos. Ás vezes, no sótão, dormiam amontoados homens, mulheres e crianças "sfollati"; e a família da casa se recolhia em silêncio a um canto do porão. A matrona a princípio parecia tímida e humilhada. Mas via dois soldados se esforçando em vão para carregar um grosso "materasso", e não tinha mão em si; afastava-os com um gesto e fazia o serviço sozinha, com seus braços rudes e maternais. Na manhã seguinte já acendia o fogo da lareira; e aos poucos ia outra vez assumindo o governo de seu reino superpovoado e impondo a sua ordem austera sobre aquela extraordinária família. Quando as granadas rebentavam pelo quintal, ela não interrompia suas tarefas de dona-de-casa, como se toda a sua vida houvesse vivido entre explosões; fazia respeitar sua família e suas coisas, consertava e lavava as roupas dos soldados como de meninos vadios, "recortava" suas comidas de lata no sabor dos velhos caldeirões familiares. E um dia, quando os homens partiam com sua tralha enorme, depois de ajudar, com um ar severo, a faina da mudança, ela se recolhia a um canto - e chorava. Com saudade daqueles que, ao chegar, pareciam brutamontes, e eram agora todos, aos seus olhos, para o seu coração, uns meninos." Rubem Braga |
Gaggio Montano
-02/04/1945
Gaggio Montano -
02/04/1945
Porreta Terme -
09/02/1945
"Rio, agosto de 1969 Releio as frases acima, escritas há tanto tempo para o caderno de desenhos de guerra do cabo Carlos Scliar. A editora, que ia publicá-lo então, fechou as portas, e não cuidamos mais do livro. Agora, que 25 anos se passaram da guerra, a revista 'Realidade' me mandou de volta à Itália refazer os mesmos caminhos que fiz em 1944 como correspondente de guerra junto às tropas brasileiras. Essa viagem, que teve momentos tão belos, me encheu de uma indefinível tristeza. Tristeza por quê? A lembrança dos mortos e dos que ficaram truncados para sempre no corpo ou no espírito? Não era apenas isto. Vinte e cinco anos é muito tempo; eu quase diria que todo passado é triste, porque é a nossa mocidade vista de longe. Tenho a impressão de que também você, Carlos Scliar, teria, se voltasse a essas aldeias, graves ataques de melancolia. Mas uma coisa foi para mim motivo constante de conforto e alegria. Foi ouvir, na boca desses camponeses de montanha que você às vezes retrata neste seu álbum, a palavra brasiliano pronunciada com um acento de saudade e de carinho. Para essas rudes mulheres, esses duros homens da montanha, a palavra brasiliano soa ainda, graças a Deus, como uma senha de amigo: ela faz abrir o sorriso e os braços e a garrafa de vinho. E só para sentir isso, Carlos Scliar, valeu a pena voltar." Rubem Braga |
Francolise -
03/07/1945
Gaggio Montano -
04/04/1945
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