FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA

 


As patrulhas brancas dos mineiros sapadores cumprindo corajosamente a sua missão
Foto de Horácio Coelho, escaneada do livro "A Epopéia dos Apeninos"
- José de Oliveira Ramos 

FLORENÇA NÃO É GUARATINGUETÁ
(Esta crônica foi mutilada pelo DIP quando da sua primeira publicação)

Há vários dias o nosso Quartel General recuado mudou-se para este velhíssimo edifício de mais de um século, no centro da pequena cidade do norte italiano. Por aqui já andaram tropas de Vitório Emanuel II, e daqui saíram muitos soldados que, mais tarde, seriam fragorosamente derrotados pelo etíope Menelik. Em 1926, o fascismo mandou para cá um dos seus batalhões e, como aconteceu com todos os quartéis italianos, o velho sobrado teve suas paredes cobertas de placas de mármore e dísticos, uma seleção bombástica e ridícula de frases e ameaças do ex-duce. Agora, todas as manhãs, quando abro a janela para os frígidos Apeninos, cujas fraldas e cumes estão definitivamente cobertos de neve, meus olhos pousam invariavelmente em dois conceitos grudados na parede defronte, oitão do Quartel, grossas letras negras sobre o muro amarelo: "A infantaria é a massa. A infantaria é o povo em armas. A infantaria é a Itália" e "O moral é o coeficiente básico de toda vitória". Aqui perto do nosso quarto, algum "podestá" ou general fascista mandou esculpir num grande retângulo de mármore azulado, em letras que lembram as inscrições romanas que encontramos nos museus e nas ruínas, esta coisa divertida: "MUSSOLINI cavaliere Benito é nominato de Gran Cloce perché" - e a explicação vem num italiano espalhafatoso e sonoro que traduzo aqui: "Ministro da Força Armada, preparou, conduziu e venceu a maior guerra colonial que a História recorda, guerra que ele - chefe do governo - idealizou e quis para o prestígio, a vida e a grandeza da Pátria Fascista". Ao lado, numa placa maior, vem todo um trecho do "Discurso da Proclamação do Império Fascista", a famosa arenga que o balcão do Palazzo Venezia irradiou para o mundo no dia 9 de maio de 1936, "XIV da era Fascista": "O povo italiano criou o Império com o seu sangue. Fecundá-lo-á com seu trabalho e o defenderá com suas armas contra quem quer que seja. Nesta certeza suprema erguei bem alto, legionários, a insígnia, o ferro e os corações, a saudarem, depois de quinze séculos, o reaparecimento do Império. Ne carete voi degni? Este grito é como um juramento que prestei perante Deus e os homens pela vida e pela morte". Dezenas de frases outras se distribuem pelo enorme edifício, e diante delas passam indiferentes pracinhas e oficiais. São coisas mortas, como morto está, para sempre, o antigo quartel fascista. Os aviões aliados andaram sobre ele, há meses atrás, e despejaram sobre frases e soldados alemães suas bombas. Paredes, tetos e instalações mostram agora profundos sinais da guerra. Uma granada certeira, por exemplo, atravessou de alto a baixo o quarto dos correspondentes, e agora, quando neva, os flocos descem do céu cinzento e vem cair sobre nós. Não há luz elétrica, e peço licença para informar ao leitor que esta reportagem está sendo escrita à luz de duas velas maleitosas e débeis. Oh! pobres velas de estearina, adquiridas a 30 liras cada, nunca imaginei o infinito de sua utilidade. São suas chamas que nos dão esta luz pálida, mas amiga, e é o seu fogo, inquieto e pequeno, que nos, amolece os dedos endurecidos pelo frio implacável. Temo-las sempre nos bolsos, e é preciso deixar na máquina portátil, como lembrança de uma amizade fiel, manchas brancas de suas lágrimas de cera. Este desconforto da frente me faz lembrar aqui uma reportagem que, há dias, o correspondente Harry Bagley, da AP, enviou para o Brasil. Ele comentava os terríveis enganos de uma carta vinda daí do Rio, de uma senhora cujo marido se encontra atualmente num dos mais difíceis setores do "front" brasileiro. Alguém informou à referida senhora de que as coisas aqui, dentro do frio e da lama branca de neve, eram uma coleção de gozos e deleites, e as linhas da carta, num misto de ciúme e irritação, tratavam a luta da FEB como um turismo alegre que se prolongava sem necessidade. Meu companheiro Bagley mandou dizer ao Brasil, em resposta, mais ou menos o que todos nós temos revelado em nossas reportagens: que a guerra aqui se mostra em toda sua brutalidade e frieza, que nossos homens estão enfrentando grandes e mortais perigos, e que diariamente podemos trazer da frente uma história sangrenta e triste. Falei aí em cima da falta de conforto com que luta, entre outros, os correspondentes de guerra. Não dispomos de aquecedores nem de luz elétrica. Passamos dias e dias sem tomar banho. Lavamos nossos rostos nos próprios capacetes de aço e muitas vezes dormimos vestidos, porque o frio pede. Nossa cama é apenas um pedaço comprido de lona sobre pés de madeira. Mas tudo isto, em comparação com os tormentos que o pracinha brasileiro está vencendo, não representa nada. Afinal de contas, nós ainda temos um pedaço de teto sobre nossas cabeças, e sobre a cabeça dos pracinhas, escondidos nos seus "foxholes" noturnos, um buraco cavado na neve e no gelo, se estende apenas o frio e descoberto céu italiano. É lógico que a guerra não impõe torturas apenas aos soldados brasileiros. Há pracinhas ingleses, norte-americanos, indus, neo-zelandeses, milhares de pracinhas tremendo e sofrendo na neve, todos os sentidos atentos para o inimigo cruel e forte que se entrincheira atrás dos seus montes alvos. Ninguém me deu procuração para isto, mas creio que vou fazer aqui um apelo às mulheres, noivas, namoradas, mães e irmãs que ficaram aí no Brasil. Que não se enganem mais a respeito de que os seus entes muito amados estão fazendo aqui. Eles não vieram para uma festa. Eles vieram para a guerra, e estão lutando. Muitos deles já morreram. Outros estão nos hospitais. É ridículo e estúpido pretender pintar a guerra com cores mais suaves e delicadas. A guerra é bruta. Temos lutado muito bem na Itália, e somos considerados por todos, pelos técnicos e generais aliados, como bons soldados. É que, como outros pracinhas de outros exércitos, queremos que esta guerra termine logo para que possamos voltar para nossas casas e nossas vidas. É lógico e razoável que de vez em quando o pracinha tenha uma licença e vá passar dois dias, numa cidade grande. Mas eles ficam perdidos na cidade, vagando pelas suas ruas, calados e meio sem jeito, porque nada em Florença lembra Guaratinguetá ou Campina Grande. É certo também que, uma vez ou outra, numa data que nos diz respeito, como o Natal, por exemplo, possa acontecer um arremedo de baile em qualquer hospital, uma dança doméstica que infalivelmente termina à meia noite. Mas que representa tudo isto, dentro da grande tortura da guerra? As melhores horas são para a guerra, para suas exigências e surpresas. Conheço oficiais, na frente, que até a presente data não tiveram tempo de visitar uma única grande cidade italiana, e não deixo de me comover quando eles me perguntam sobre Roma ou Florença. Esta é a guerra na qual nossos soldados estão metidos, e é doloroso para eles quando recebem cartas do Brasil, como a daquela senhora de que falou o correspondente Bagley. Nossos pracinhas e nossos oficiais não querem palmas nem louvores antecipados. Querem apenas compreensão. Eles estão num duro inverno, enterrados na neve, e uma carta cheia de compreensão e conforto aquece, mais do que a melhor lareira.

"As Duas Guerras da FEB"
Joel da Silveira

 


Nossos pracinhas em seus foxholes
Foto de Horácio Coelho, escaneada do livro "A Epopéia dos Apeninos"
- José de Oliveira Ramos 

SERVIÇO POSTAL

Sendo a primeira vez que o Brasil enviava um corpo expedicionário a um teatro de guerra onde não havia serviço de correios e telégrafos civil, o Exército se viu na contingência de criar um serviço postal autônomo, para manter as comunicações entre a FEB, em além-mar, e a Pátria. Foi criado em abril de 1944 o Serviço Postal da FEB, organização complexa, da qual faziam parte seções que funcionavam no Brasil e seções que acompanharam a tropa à Itália, ficando todas a cargo de oficiais do Exército. O Serviço Postal se compunha das seguintes seções: no Brasil - Correio Coletor Sul, com sede no Rio de Janeiro, incumbido dos estados do centro e sul do país; Coletor Norte, com sede em Natal, encarregado dos estados do norte; na ltália - Correio Regulador, em Livorno, e Seção Postal da 1ª DIE, junto ao QG da Divisão. Em todas elas o serviço se dividia em censura e tráfego, de correspondência e de encomendas. A censura da correspondência era imprescindível para a perfeita fiscalização da tropa, que de outro modo ficaria ao sabor de inconveniências, indiscrições, sabotagem de toda espécie. Foi geral, para os oficiais e praças, fazendo exceção, apenas a correspondência dos generais. O serviço postal dos expedicionários foi inteiramente gratuito. Os telegramas ficaram a cargo das Companhias "Western Telégrafo", " All America Cables" e Rádio Internacional do Brasil, sendo cobrada uma taxa módica, para os telegramas em código especial, cujas cópias foram distribuídas largamente entre as famílias dos febeanos. Compreendia o código mais de cem frases de assuntos familiares, podendo cada telegrama conter três frases. A censura, embora indispensável e razoável, sempre encontrou grande oposição em todos os países e exércitos. Não seríamos nós uma exceção. Houve os que procuraram burlá-la, não para fim de sabotagem ou de espionagem, mas simplesmente pelo prazer de enganar os censores. Tintas simpáticas, códigos variados e diversos artifícios foram usados. Houve furtos e falsificações de carimbos de censores. Até um oficial da própria censura carimbava suas cartas, em cujo envelope figurava seu nome com o posto de soldado, para não serem censuradas no Correio Regulador. E ele escrevia assuntos familiares comuns, que podiam ser lidos por qualquer um. Os americanos usavam o chamado "envelope azul", cujas cartas deviam ser censuradas à distância, por pessoas que não conheciam os autores das mesmas. Isso infelizmente não foi adotado por nós. Muitos soldados vinham pedir a seus comandantes que enviassem suas cartas para a censura do Correio Regulador, pois tinham acanhamento de que os oficiais de suas companhias ficassem ao par de certas intimidades. Algumas cartas continham pesados desaforos aos censores, que entretanto eram compensados por outras tantas amabilidades. Sabendo alguns que suas cartas seriam forçosamente lidas pelos censores, conversavam ao mesmo tempo com eles e com os destinatários. A censura de correspondência requer pessoal especializado e bem instruído, cousa que no início foi difícil de encontrar. As primeiras censuras pecaram por excesso. Com receio de ser usado código, todos os números, por exemplo, eram cortados. Isso mutilou muitas cartas, impedindo que notícias importantes chegassem ao conhecimento do interessado. A esposa de um oficial mandou fazer uma reforma na casa e informou que o orçamento era de tantos cruzeiros. O censor, desconfiado, cortou o número e o oficial ficou sem saber quanto ia gastar na reforma de sua casa. Outro parente escreveu sobre o nascimento de uma sobrinha, no dia tal. Mas aquilo podia ser um código e o censor já cortou, ficando o expedicionário sem saber quando era o aniversário da sobrinha. Aos poucos a censura foi melhor orientada e os cortes diminuíram. Os erros, entretanto, eram de parte a parte. O público deixava de seguir as instruções, desde o subscrito, dimensões e qualidade do papel, até o conteúdo das cartas, o que aumentava o trabalho do correio e criava dificuldades a todo momento. A censura de lá para cá era feita pelos oficiais das unidades, para a correspondência das praças, e pelos censores do Correio Regulador, para a dos oficiais. A função de censor era trabalhosa e cansativa, mas por vezes divertida. No meio da monotonia dos assuntos, dos queixumes e saudades, surgia sempre um gaiato, que inventava fantasias interessantes ou relatava mirabolantes façanhas com os alemães ou com as italianas. Os comandantes de companhias, que estavam ao par da vida de seus subordinados, davam boas risadas ao ler certos trechos e ficavam na dúvida se deixavam passar tanta "mentira carioca". Um cabo meu conhecido, do QG Recuado, que nunca vira um alemão pela frente, em suas cartas descrevia combates e bombardeios de arrepiar os cabelos e dos quais ele era sempre o herói. Não era verdade, porém, tinha graça. A história da censura de correspondência dos expedicionários é muito longa e divertida. Daria para vários volumes, se todos os censores colaborassem. A questão do endereço dos expedicionários foi resolvida de modo prático e simples. Cada unidade da FEB recebeu um número arbitrário, de três algarismos, que resumia todo o endereço. O Serviço Postal se encarregava de saber em que lugar da Itália se encontrava a unidade correspondente a cada número. Bastava escrever no envelope o posto, nome, o número da unidade e as iniciais FEB. Uma carta do interior de S. Paulo, por exemplo, vinha, pelo correio comum, ter às mãos dos censores do Coletor Sul, no Rio de Janeiro. Seguia para a Seção de Tráfego, que a remetia, pelo Correio Aéreo Nacional, para a base de Natal; num transporte aéreo norte-americano, atravessava o Atlântico, indo descer em Nápoles. Daí viajava, por via terrestre, para Livorno, onde o Correio Regulador fazia a primeira separação, mandando as malas, por um "G.M.C.", à Seção Postal da 1ª DIE ou do Depósito de Pessoal. A Seção Postal fazia uma segunda distribuição, enviando às respectivas agências, por um "jeep" , os pacotes de cada unidade. No QG da unidade a correspondência era dividida pelas sub-unidades e, numa bela tarde, o Sargento entregava a carta ao feliz destinatário, que saía para um canto, religiosamente abria o envelope e avidamente lia as tão esperadas notícias. Depois ficava de olhar absorto, com o pensamento longe. Num milésimo de segundo percorria toda a distância que tantos dias a carta havia levado para percorrer. Lá, tão longe, em sua cidade natal, uma pessoa querida estaria pensando nele também e talvez escrevendo outra carta. "The fighter with a letter from home is more likely to escape injury. He is more alert... reacts faster under fire". São palavras de um chefe militar norte-americano e refletem a importância de uma carta para o soldado em campanha. Nossa vida espiritual estava presa aos parentes e amigos, cujas recordações e saudades se reavivavam e ao mesmo tempo eram mitigadas pelas notícias. Apesar de todas as operações por que passava a correspondência, viajando de trem, aviões, "jeeps" e caminhões, levava um prazo médio de quinze dias, havendo "records" de oito dias e demoras de um mês. Grande atraso se deu em fevereiro, quando as malas, que normalmente iam de avião para a Itália, esperaram o navio que transportou o último escalão. Não deviam ter feito modificação no ritmo de remessa, porém as autoridades acharam conveniente aproveitar o navio e isto acarretou o atraso da correspondência, que deu motivo a grandes aborrecimentos ao pessoal do SP, que, embora inocente, tinha de ouvir as queixas e acusações. Além da volumosa correspondência particular, o Serviço Postal se encarregava da correspondência oficial, internamente, entre os diferentes setores da FEB e entre esta e o Ministério da Guerra. A correspondência oficial era bem grande e tinha prioridade, pois interessava diretamente às operações de guerra. A Seção Postal da 1ª DIE era intimamente ligada ao QG, como parte integrante da Ajudância Geral. Esta Seção, que esteve a cargo do Cap. Roberto Satamini, ligava-se ao escalão avançado por intermédio de suas agências, em número variável, conforme a situação. Normalmente funcionaram quatro agencias: uma em Pistoia, sede do QG Recuado, uma em Pávana, próximo ao QG Avançado, outra em Le Pieve, para as unidades do "front" e a quarta em Florença, junto ao Hotel de Repouso das Praças. O volume de trabalho do S.P. foi extraordinário. Somente o Correio Coletor Sul remeteu 1 135 197 cartas e recebeu 1 372 910; enviou 93 855 encomendas e 24 139 impressos; recebeu 2 195 pacotes; expediu 75 913 telegramas para a Itália, de onde vieram 170 507. O movimento de cartas foi portanto de 2 508 107, em onze meses, o que dá em média 7 600 por dia. Não se pode dizer que o Serviço Postal tenha sido impecável. Houve falhas, na censura e no tráfego, quer de cartas, quer de encomendas. Houve culpa do público, que não seguiu à risca as instruções, complicando e dificultando o serviço . Houve deficiência de pessoal especializado e em número bastante para dar conta do enorme trabalho. Mas, levando em consideração todos os fatores, em se tratando de um serviço novo, complexo e delicado, devemos concordar que os resultados foram além do que se podia esperar. Uma ou outra carta se extraviou, um ou outro pacote não chegou às mãos de seu destinatário. Porém milhões de cartas e dezenas de milhares de encomendas foram entregues perfeitamente. Mais de duzentos mil telegramas foram encaminhados. Isto representa o esforço e dedicação do pessoal do Serviço da FEB, que se viu assoberbado pela avalanche de malas, assediado pelas reclamações e que, serenamente ia procurando resolver as dificuldades, satisfazer as queixas, trabalhando sempre, com perseverança e desvelo, em penosos serões, para bem servir aos expedicionários, suas famílias e amigos.

"A  Epopéia dos Apeninos"
José de Oliveira Ramos


Entrega de correspondência
Foto de Horácio Coelho, escaneada do livro "A Epopéia dos Apeninos"
- José de Oliveira Ramos

O Serviço Postal foi muito criticado pelos integrantes da FEB, sobretudo no que dizia respeito às encomendas extraviadas. Em seu livro, Manoel Thomaz Castelo Branco comenta: "Na época, não era simples encontrar explicações para essas ocorrências. Entretanto, reexaminando-as hoje, sem paixões, verificamos que não havia motivo para recriminações tão violentas, pois quase tudo tinha sua origem na falta de experiência de todos, na pobreza dos recursos e no desleixo involuntário de muitos que não se esmeravam no acondicionamento e endereçamento de suas encomendas que, na agitação dos transportes e no vaivém dos transbordos, desfaziam-se ou ficavam inutilizados." Os percalços do Serviço Postal devem ser debitados à total inexperiência do sistema, antes inexistente, e que em pouco tempo teve que ser montado para atender a um tráfego que chegou a mais de 3 mil cartas diárias. No final da campanha, em 3 de abril de 1944, o próprio comandante em chefe, General Mascarenhas de Moraes, através do Boletim Interno nº 93, reconheceu o esforço de quem trabalhou nesse setor, elogiou e reconheceu o mérito. O soldado que na linha de frente recebia uma carta ignorava o esforço feito para sua entrega e naturalmente reclamava de qualquer atraso ou imperfeição. Quem foi combatente, sabe a alegria de quando surgia o sargento empunhando um maço de cartas. Apesar de tudo, a entrega daquela correspondência era o resultado do esforço e do trabalho do Serviço Postal da FEB.

"A FEB por um Soldado"
Joaquim Xavier da Silveira


A Chegada da Correspondência
Foto escaneada do livro "A Luta dos Pracinhas"
Joel da Silveira e Thassilo Mitke

A Correspondência

Nada é tão necessário na FEB para manter o bom humor, a alegria e fortalecer o animo do combatente brasileiro do que a correspondência. Esta tem a força inigualável do bem e derrama sobre as pessoas um fluído ameno nascido de coração saudoso e distante, cheio de anseio, de puro sentimento. Cada letra é um característico que exprime uma súplica, uma saudade, uma prece, uma lágrima e elas se volatilizam e atravessam mares, cadeias de montanhas, vales e rios procurando um simples e pobre agasalho no coração que sofre a separação imposta pelo dever. É incalculável, portanto, quanto é serviçal, como causa bem estar a correspondência do expedicionário, que recebe notícia da progenitora, da esposa, da filha, da noiva ou de um amigo, causando a maior satisfação, trazendo calma e paz para o seu espírito, consolação para seu isolamento, resignação nos momentos em que combate, satisfação pela tranqüila conformação da família e conforto pela elevação de sentimentos dos entes queridos. Os exércitos modernos, reconhecendo o valor inestimável de uma carta, de um simples recado pela radiofonia ou telefonia, instituíram serviços indispensáveis como esses e o correio, para que seja amenizada um pouco a distância entre o combatente e a família. As forças brasileiras em operações, acompanhando o progresso de suas congêneres, organizaram também o serviço de correio para as suas tropas. O desejo de bem servi-las criou paralelamente a transmissão por meio da radiofonia e da telefonia e ambas desempenharam valiosa contribuição em combinação com a Rádio Nacional e a Guanabara. No Rio de Janeiro a LBA. se multiplicava para que o expedicionário recebesse sempre presentes e tivesse constantes notícias das pessoas da família e amigos e, assim, além de se interessar para que o serviço de correspondência fosse o mais rápido possível, ainda organizou um trabalho especial de transmissão de mensagens aos expedicionários, que causou magnífico resultado e foi uma interessante criação dessa magnânima instituição. Deficiente e moroso o serviço de correspondência proporcionou, entretanto, ótimo efeito. Não é calculável, facilmente, a satisfação que pode causar o recebimento de uma notícia das pessoas da família, quando alguém está longe da Pátria, dos entes queridos e em guerra. Somente quem estiver em situação semelhante poderá avaliar como é benfazeja uma carta, mesmo que seja pequena. É um bálsamo, é um conforto, é um calmante, principalmente a primeira carta que normaliza um coração cheio de ansiedade, de aflição, de impaciência. E quando se escuta distante a voz do ente querido? A emoção transforma de tal modo que muitos não podem falar. Na voz daquele que pela primeira vez escuta alguém ouve bem nítido o soluço da saudade. É um grande benefício, e merece os maiores elogios dos técnicos do Exército Brasileiro, que prestaram tão relevantes serviços ao expedicionário.

"O 11º RI na 2ª Guerra Mundial"
General Delmiro Pereira de Andrade
Biblioteca do Exército - 1950

 


Trincheira da Infantaria Brasileira na perigosa frente de Torre de Nerone.
As capas brancas vestidas pelos soldados foram confeccionadas pelo DI/FEB, instalado em Livorno
Foto escaneada do livro "A Intendência no Teatro de Operações da Itália"
Cel. Fernando L. Biosca

O ANJO POSTAL

O Serviço Postal aqui na frente está localizado em apenas duas salinhas repletas de caixotes e embrulhos. Lá dentro, dia e noite, estão o terceiro sargento Ivan Montezano de Matos, um rapaz de Jacarezinho, no Paraná; o cabo Antônio Alves de Souza, de Caçapava, em São Paulo; o cabo Eduardo Cardoso; o soldado Euclides Baglioli, de Curitiba e o soldado José Gonçalves Vieira Neto. São os donos da Seção do Correio. Há ainda a Seção Telegráfica onde trabalham o terceiro sargento Eudaro Mendy Ruiz (ele mora na rua Gustavo Sampaio, 58, no Leme, D. F.); o cabo Humberto David, rua General Caldwell 202, no Rio; o cabo Olavo Gomes Correia, rua Zamenhoff, 61, no Rio e o soldado Luiz Felipe Nery, rua da Passagem 230, no Botafogo. São apenas homens e soldados, se vestem como nós, comem nas horas do "rancho" e poderão, perfeitamente passar despercebidos numa multidão de pracinhas. Mas, às vezes é possível descobrir uma auréola de santo sobre a cabeça de cada um. E às vezes é também possível enxergá-lo como figuras demoníacas, com cauda, chifres e demais características de Satanás. O sargento Ivan, por exemplo, vira Santo Ivan quando nos recebe com um sorriso encantador e nos diz: "O senhor não é fulano? Pois aqui tem uma carta para o senhor". Amanhã Santo Ivan pode nos aparecer inteiramente transformado. Basta que qualquer um de nós, pracinhas, sargentos, tenentes, majores ou coronéis, estejam sem notícias de casa há mais de vinte dias e receba do sargento Ivan uma informação assim, rápida e fatal: "Não tem nada ainda para o senhor. Há quinze dias que não vem mala". Por estas duas salinhas passa toda a correspondência que vem do Brasil para a frente. A carta da namorada do pracinha, da esposa do tenente, do filho do sargento, dos nossos amigos, amados, parentes, rogos, incentivos, pedidos, tristezas, alegrias, notícias de nascimentos e de mortes, tudo. Os caminhões esperam na porta e distribuem tudo isto pela frente. A carta que veio de Guaratinguetá, por exemplo, passou pelo Rio, tomou lá o avião, saltou em Nápoles, de Nápoles seguiu para Livorno, de Livorno veio aqui para o Recuado. Do Recuado seguirá para seu destino certo: um ponto qualquer num ponto mais avançado da frente, um "foxhole", um "PC", um esquadrão de reconhecimento. Os envelopes se acumulam nos bornais ou nos largos bolsos dos fardamentos, e muitas vezes são relidos diariamente, como uma necessidade. Uma noite dessas eu estava num ponto qualquer da frente quando um grupo de soldados e um sargento voltava de uma patrulha. Estavam todos cansados e cobertos de neve. Alguém, então, avisou ao soldado: "Chegou uma carta para você". Os olhos do soldado brilharam muito e ele esqueceu todos os seus cansaços e frios. Nem chegou a tirar o pesado capacete: foi para um canto, perto do fogo, e ficou lá minutos e minutos, perdido nas acanhadas notícias que vinham de sua casa. O fogo derretia a neve que encharcava seu capote, havia lama grossa nos seus sapatos, mas aquele era um homem feliz. E já que falamos em cartas, citemos aqui um exemplo mais próximo e concreto: o exemplo deste pobre correspondente. Vinte e dois dias sem uma única notícia, e eis que hoje pela manhã o Santo Ivan mandou me avisar: "Tem uma carta para o senhor". Modestas e discretas linhas de um amigo não muito íntimo, apenas conhecido. Notícias gerais do Brasil, tudo muito enfarinhado. Mas é como se fosse um tesouro. O sargento Ivan está com a resplandecente auréola dourando sua cabeça de paranaense de Jacarezinho. Sobre recebimento ou não de cartas, aliás, já apareceu por aqui a paródia de um samba cuja letra ainda não consegui pegar direito. É mais um lamento triste do que uma caricatura alegre, já que não pode haver no front, pracinha mais desgraçado do que aquele que não sabe como vão as coisas em sua casa e sua terra.

"A Luta dos Pracinhas" 
Joel da Silveira e Thassilo Mitke

Um Herói nunca morre!

Simples História de um Homem Simples
As Origens
Força Expedicionária Brasileira
l 1 l 2 l 3 l 4 l 5 l 6 l 7 l 8 l 9 l 10 l 11 l 12 l 13 l 14 l 15 l 16 l 17 l 18 l 19 l 20 l
l
21 l 22 l 23 l 24 l 25 l 26 l 27 l 28 l 29 l 30 l 31 l 32 l 33 l 34 l 35 l 36 l 37 l 38 l 39 l 40 l
l
41 l 42 l 43 l 44 l 45 l 46 l 47 l 48 l 49 l 50 l 51 l 52 l 53 l 54 l 55 l 56 l 57 l 58 l 59 l 60 l
l
61 l 62 l 63 l 64 l 65 l 66 l 67 l 68 l 69 l 70 l 71 l 72 l 73 l 74 l 75 l 76 l 77 l 78 l 79 l 80 l
l
81 l 82 l 83 l 84 l 85 l 86 l 87 l 88 l 89 l 90 l 91 l 92 l 93 l 94 l 95 l 96 l 97 l 98 l 99 l 100 l
Homenagens aos Heróis
Saudade
A vida felizmente pode continuar... 

Voltar

| Home | Contato | Cantinho Infantil | Cantinho Musical | Imagens da Maux |
l
Recanto da Maux | Desenterrando Versos | História e Genealogia l
l
Um Herói nunca morre l Piquete - Cidade Paisagem l
MAUX HOME PAGE- designed by Maux
2003 Maux Home Page. Todos os direitos reservados. All rights reserved.