FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA


 

LUIZ CAETANO DE MENEZES
O "TATU"

6º RI - 2G-106650


VISITA A POSIÇÕES
6 de março, 1945


Saio cedinho para visitar as posições em um pequeno bosque. São arbustos amarelos, que mal atrapalham a vista do alemão ali vizinho. Os foxholes estão cavados numa encosta, e ao lado de cada um há o abrigo onde o soldado dorme à noite, enquanto seu companheiro está na posição. Às vezes, o abrigo - a buca, como eles chamam, e em italiano quer dizer buraco - é um prolongamento lateral do foxhole. Numa das paredes faz-se um buraco subterrâneo, com a entrada estreita, o suficiente para o homem entrar de rastros - e lá dentro alarga-se um pouco; para melhor comodidade do "morador". Traves de madeira e um pouco de feno no chão tornam o abrigo mais seguro e confortável. Agora a terra está seca - tem chovido pouco, e a neve já se foi - de modo que não há o problema de impedir as inundações. Muitos homens passaram noites com os pés metidos na neve ou na lama de neve e tiveram de inventar defesas, estrados de pedra ou tijolo.  O primeiro que visito é o sargento José Bezerra de Brito (Rua 24 de Junho, 185, Encruzilhada, Recife, saudades para D. Adelaide). É um datilógrafo - mas agora trabalha com máquinas diferentes. Tem ali uma pequena metralhadora e um fuzil. Aos lados, caixas de munição e granadas de mão, e de fuzil. Bezerra foi para ali às seis e meia, e sairá às oito horas. À noite dorme na buca, mas das nove e meia à meia-noite estará na retranca de sua ponto 30, os olhos metidos na escuridão, os ouvidos atentos ao mais leve ruído. O capitão Sousa Júnior, que me acompanha na visita, diz que quando um homem está com tosse, ele lhe dá outro serviço: ali é proibido tossir, como nos concertos do Municipal. O sargento arrumou bem o seu buraco. Está coberto de lona, e lá dentro há um banco improvisado. A terra é de uma cor pálida, como de nosso barro "tabatinga". Aproximo-me de outro foxhole, quando vejo um rapaz que emerge de um buraco, a cara sonolenta e uma bota na mão para calçar. O capitão o aponta: - Olhe aqui um menino bonito de Copacabana... É o segundo-tenente Paulo de Melo Prates, um estudante de engenharia filho do Dr. Castelar Prates (Rua Constante Ramos, 145). Quando ouço seu nome me lembro que na véspera, à noite, eu estava no PC do Batalhão e ouvi um oficial dizer ao telefone, falando com um pelotão de morteiros: Estão atirando no pelotão do Prates. Dê uma "chacoalhada" lá na crista... Ele confirma: - É, "eles" andaram chateando esta noite. Mas depois pararam. Quando se afasta da entrada da buca, vejo que tem mais gente lá dentro e meto a cabeça pelo buraco escuro cavado na encosta para ver quem é. Vejo um sargento - e um outro camarada com um uniforme esquisito, que nem parece uniforme. - Este é um partigiano. Começou a ajudar a gente lá na frente de Camaiore e acabou "aderindo" ao 6º. Onde nós vamos, ele vai. Depois da guerra quero ver se ele pode ir para o Brasil. Acho que tem o direito de ser um cidadão brasileiro, se quiser... O italiano sorri e me dá um buon-dia ítalo-português. Passou a noite ali dormindo ao lado do tenente e do segundo-sargento José Romeu Correia. É um rapaz que trabalhava no Departamento de Propaganda no Jornal da Manhã, do Antoninho de Barros, em São Paulo. Seu pai, Sr. João Pinto Correia, mora lá, à Rua Vieira de Almeida,130, no Ipiranga. O tenente calça as botas e sai conosco. Mostra, entre os foxholes, os "carimbos" dos morteiros inimigos. Vários homens já morreram ali -inclusive dois dentro de um foxhole, tempos atrás. Aconteceu mais duas vezes que uma granada de morteiro caísse mesmo dentro de um foxhole, mas, por mais espantoso que pareça, sem matar os homens. Nos dois casos, os soldados estavam metidos na buca e não foram atingidos por nenhum estilhaço. Um dos homens ficou desacordado com o deslocamento de ar, mas depois de três horas voltou a si sem nenhum ferimento. O outro, nem isso. Nos últimos tempos, o alemão parece que anda com a pontaria mais errada: há sinais de granadas numerosas numa encosta lá embaixo, onde não há posição nenhuma. 

- Olhe o "Tatu"
O soldado Luiz Caetano de Menezes (filho do Sr. Avelino Caetano de Meneses, Igarapava, São Paulo) ganhou esse nome pela rapidez e perícia com que sabe cavar um buraco. De resto, é um homem acostumado a lidar com a terra: fala-me do seu sítio, com arroz, milho e "umas vaquinhas". A toca do Luiz é realmente confortável. 
- Mora sozinho aqui? 
- Não senhor. Meu companheiro está na posição aí em cima.

Subo alguns metros e acho lá Alexandre Scolochsinki, filho do Sr. Adão do mesmo sobrenome, que vive em Paulo de Frontin, Paraná. É lavrador também, e me diz que quando acabar a guerra quer voltar a plantar seu arroz, seu feijão, suas batatinhas e seu trigo. O tenente me diz: - Aqui tem um homem que quando começa a falar de boi não pára mais. É um gaúcho, o cabo Teobaldo Pereira. Seu pai, senhor Joaquim Honório Pereira, é criador no 10º Distrito de Vacaria, Vila Pinhal, Rio Grande do Sul - e Teobaldo trabalhava com ele no campo. Mas minha visita está se prolongando demais, e tenho medo de aborrecer o alemão ali defronte com esse passeio. Despeço-me do tenente e desço para um lugar abrigado. Quando chego lá embaixo, está chegando um carro que traz três homens que estavam descansando. Saltam do jipe alegres, trocando pilhérias com os companheiros que os saúdam. Um é o cabo Marcílio Luís Pinto, que tem a seu crédito dois prisioneiros alemães. Andou um pouco doente, mas está rijo outra vez. Os outros dois, que pegaram uns dias de passeio, são Adail Lima de Sousa e Manuel José Correia. Os endereços desses três homens estão embrulhados no meu caderno de notas: um é de Marília, São Paulo; outro, de Barra Alegre, Estado do Rio, e outro, de Niterói, mas eu não sei quem é um e quem é outro. Um deles me diz: - Lá embaixo estava bom, mas o senhor acredita que a gente tem saudade dessa canalha aqui? E virando-se para um da "canalha", um companheiro de pelotão: - Então, diabo, como vai o tedesco? O que é que o porcaria do tedesco fez que ainda não te matou? 

Rubem Braga
"Crônicas da Guerra na Itália"

 


Luiz Caetano e um amigo

LUIZ CAETANO DE MENEZES, nascido em 19/08/1915, filho de Avelino Caetano de Menezes, era natural de Igarapava, SP. Como destacado no texto acima de Rubem Braga, ficou conhecido na FEB por Tatu, em função de sua destreza ao cavar um buraco. Partiu para a Itália em 02/07/1944 e voltou em 18/07/1945.  Retornando ao Brasil, casou-se com Maura Caetano de Menezes com quem teve os seguintes filhos: Maria Augusta Caetano Galo, Elpidio Caetano Sobrinho, Arnaldo Caetano de Menezes e Milton Donizete Caetano.

 
Os pais de Luiz Caetano

Faleceu em Igarapava, em 03/01/1978, aos 63 anos de idade. Segundo informações de seu filho Milton Donizete Caetano, após o retorno da Itália, Luiz Caetano passou sua vida nas atividades que mais amava: lutando com suas vaquinhas e seu sitio...
Como o soldado Tatu, milhares de brasileiros conheceram a neve e os horrores da Guerra, numa luta que não era a sua e cujo sentido ignoravam. Retornando ao Brasil reassumiram, da forma que lhes foi possível, a vida interrompida pelo chamado da Pátria. Suas história e suas lutas, suas contribuições para uma sociedade mais livre e democrática, só não serão esquecidas se houver quem relembre o que viveram e quem foram. O nosso homem comum mostrou, nos campos de batalha da Europa, a sua capacidade de improvisação, a sua tenacidade e desenvoltura para enfrentar os desafios. Luiz Caetano é um exemplo disso.


Luiz Caetano e suas vaquinhas...

Homem do campo, conseguiu destacar-se de forma a ser imortalizado pelo correspondente de guerra Rubem Braga. No entanto, como todo brasileiro no "front", ele nada mais desejava do que voltar para seu sitio e para suas vaquinhas, ali construir seu lar e constituir sua família.


Casamento de Maura e Luiz Caetano

 Este homem simples deixou viúva, filhos, genros, noras e netos que, através desta página, orgulhosamente homenageiam sua memória. Junto-me a eles, como filha que sou de um ex-pracinha, emocionando-me com sua história e de todos aqueles que compuseram a vitoriosa campanha brasileira na Itália. Neste ano de 2005, quando se comemora sessenta anos do término da Segunda Guerra Mundial, mais presente se torna a necessidade de recordá-los. Nós, descendentes destes anônimos e sacrificados heróis, temos o direito e o dever de cobrar dos nossos dirigentes um Brasil com oportunidades para todos, sem corrupção e mentiras, um país onde não exista desrespeito aos seus filhos e onde as benesses não se direcionem apenas a uma casta privilegiada.


Igarapava: antigo monumento em homenagem aos 13 expedicionários da cidade, inaugurado logo após o final da guerra.


A família constituída por Luiz Caetano de Menezes

Obs: As fotos desta página foram gentilmente enviadas por Milton Donizete Caetano

 

 

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